sábado, 28 de agosto de 2010

At The Drive-In.

De frente para o rio,
na noite escura,
só uma parte de ti
me fez companhia.

Esse lado íntimo teu,
que não entrevi,
onde estaria?

Eu olhava o rio,
olhava a noite,
distraído.

No entanto,
ninguém diria,
se lhe fosse dado observar,
que aqueles dois,
no automóvel estacionado,
de frente para o rio
cor de azeviche,
já não eram mais
os príncipes felizes
de um conto muito antigo.

Foi por educação
que ali ficámos,
mas já sozinhos,
os dois.

Foi por amizade
que ali ficámos.

Arroz de Tinta.

O arroz de tinta de lulas,
cogumelos, gambas e vieiras,
num jantar informal,
num restaurante dos arredores.

Foi preciso atravessar o Tejo
ao cair da tarde,
nessa ponte cosmopolita
ao rés da água,
que realça as cores do horizonte
e faz estender o olhar
numa evasão libertadora.

Como para uma rive-gauche,
onde se suspendessem
e por momentos se esquecessem
todos os problemas
do dia-a-dia.

É Agosto ainda.

Junto às margens do rio
o lusco-fusco faz-se tarde
e cai lentamente,
quase em silêncio.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O Whiskey.

Dos campos verdes da Irlanda,
numa destilação suave,
eis uma bebida de génio!

Duas pedras de gelo, sempre.
Gosto dos copos frescos,
de whiskey novo...

Um livro de Samuel Beckett,
Nouvelles et Textes Pour Rien
et Têtes-Mortes.

E uma garrafa deste precioso líquido,
aurífero
e nobre.

Janelas abertas para a noite de Verão
e o blow-up do Mundo
num só trago.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O Cais.

Da minha infância
guardo com saudade
a imagem de cargueiros
atracados ao cais.

E, uma vez, o pobre do filipino,
debruçado na amurada,
que fumava um cigarro solitário,
numa profunda quietude
e solidão.

Eu próprio me virei para trás,
para olhar o que ele via
e reparei numas luzinhas apenas
e na noite, sempre vazia.

Ah, as luzes que a baía reflectia...
E as cores!
A água reflectindo as cores!...

Sinto hoje ter alma de marinheiro,
sempre em lado nenhum,
ancorado em qualquer cais
num navio, que de noite,
faz a sua manutenção.

Julguei mesmo um dia
ir para a Marinha...

Que camarote confortável eu teria,
com uma estante de onde nenhum livro
cairia...

E fumaria Pall Mall,
leria Lowry
e... Camões!

Não me interessa mais
nada disso.

Levanto-me
e vou à janela fumar.

É noite cerrada...

As férias.

Estende-se a noite, lisa
e lenta,
como são todas as noites
de Verão.

Nos jardins das casas
sobre o mar,
as luzes acesas,
prolongam-se as conversas
amenas
de mais um serão
em paz.

As crianças correm agitadas
na noite escura, entre risos
e galhofas nervosas.

O resto do ano não é assim.

Vive-se o stress e a solidão.

Que pena a classe média
portuguesa
só viver, realmente,
no Verão...

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Cartaz.

Cary Grant entre cornucópias
amarelas, tem nos braços
um pedaço de cartaz rasgado.

domingo, 15 de agosto de 2010

Agosto 3.

Bebo uma cerveja bem gelada,
como quem dá um mergulho no mar.
O sal,
o sal é o mesmo
e a espuma,
a espuma é a mesma também.

Até há música e tudo,
que na praia detesto,
mas enfim,
o Foreigner do Cat Stevens,
dos meus tempos de adolescente.

Estiquei as persianas
para quebrar o Sol,
tanto Sol, também não,
a pele crustácea seca demasiado
e a sombra,
afinal a sombra também queima,
também bronzeia.

Outra cerveja, vá lá,
é só mais uma corridinha à água.

E, já agora, mais umas pedras de gelo
nas gambas cozidas,
para depois do banho.

sábado, 14 de agosto de 2010

Despedida.

Custou-me tanto que partisses...

O meu coração agora
é um século dezanove
feito de carroças
e lamaçais.

Crianças descalças e andrajosas
que vêm à porta dos casebres
ver o comboio passar.

O pobre do Antunes, coitado,
que enriqueceu na padaria
e fica com flatulência
ao almoço.

Tu partiste
e os cantores pimba
encantam as sopeiras
de cima do palco.

Há lágrimas nos olhos
das adolescentes afegãs.

Sonhos que a brisa devolve
à beira-mar.

Ficou a casa vazia,
as janelas abertas,
as portas por fechar.

E há um cão
que não pára de ganir.

Um elefante que entrou
sozinho na floresta densa.

E a água jorra intensa
como labaredas de dor.

E depois há o vazio...

Ah, o vazio...

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Desencontro.

Estás sentada na esplanada
e não vês,
a água vem subindo a areia
húmida,
e estende-se,
húmida também,
na escuridão
da noite.

Borbulha a tónica no teu copo
e não vês,
a areia que brilha
na noite
escura.

Vozes...

Zut!

São palavras
impossíveis,
as dessas vozes
caladas...

Sonhos frustrados,
desejos que a boa moral
reprimiu.

E tu,
bebericando a água
com limão,
nâo vês...

O mar rebenta
em espuma húmida
na noite escura...

Tu não vês...

Zut!

Pop.

Não era teu o psiché,
a caixinha da bailarina,
o pó-de-arroz.

Não eram tuas
as plumas,
os cisnes
não eram teus,
as essências,
o espelho.

A pop-ácida
retro.

Não era teu o voo
Concorde,
o spleen,
Paris.

Não era teu
nada disto.

Só esse azul
cobalto.

E o silêncio.

Campo de Flores, de João de Deus.

DEDICAÇÃO
A António Nobre

Porque é tão alegre a carta
Que acabas de me escrever?
Tens tu já a alma farta
De suspirar e gemer?...

É que quando nos devora
Uma entranhável paixão,
Soffra a gente muito embora,
Mas a prenda amada não!

Eu sei, sei que tu me escondes
As tuas lágrimas, sei;
E é assim que correspondes
Ao conceito que formei:

Que não há anjos dotados
De uma indole melhor;
E que esses olhos rasgados
Encobrem-me só a dor!

Viu um dia um viajante,
Escriptor de toda a fé,
Em Africa uma elephante
Vir mais um filhinho ao pé;

Os indigenas começam
A atirar-lhes; porém,
Quantas settas arremessam
Todas se cravam na mãe;

Porque mettendo-se a pobre
Entre o filho e o gentio,
De tal maneira o encobre,
Que elle nenhuma o feriu;

E ella andando mansamente
Lambendo-o, para mostrar
Que não vê, não ouve ou sente
Cousa alguma de espantar,

O consegue pôr a salvo,
Com toda a satisfação
De ter sido só o alvo
Dos tiros da multidão!

Ha no mundo acaso indício
De dedicação maior,
Prova, extremo, sacrificio
De mais verdadeiro amor?...

Tu és como a elephante
D´esta anecdota exemplar...
( Se bem que a mais rara amante
Não passa da mãe vulgar! )

Ir exhalar um gemido,
Reprimil-o dentro em nós,
Por que o não oiça um ouvido
A quem magôa essa voz:

Dizer, n´uma dor immensa,
Tem-te! á lagrima que está
De uma palpebra suspensa
A desprender-se-nos já,

É de um amor verdadeiro,
É de um infinito amor!
E por isso te amo e quero
Infinitamente, flor!

João de Deus, Campo de Flores, Livraria Bertrand, 9ª edição, s/ data, pp.180, 181 e 182.

Incêndios em Portugal 2.

" Ah, fiquei triste por abandonar a minha casa.
Fiquei lá com tudo... "

António Nobre...

" Dada a aproximação da Primavera, quase sempre agreste à beira-mar, é necessário que o doente saia da Foz. Animado com a perspectiva de dar realização aos seus planos literários, parte para o Seixo nos primeiros dias de Março.
"" Chegado ao Seixo, a despeito da fadiga da viagem, sentiu-se bem impressionado "" - continua a comovida narração de Augusto Nobre - "" tanto mais que sabia que lhe não faltariam, como sempre, as visitas do Dr. Aníbal Lourenço, seu primo, médico em Cete, amigo dedicadíssimo e espírito sempre interessado em assuntos literários. Mas a doença progredia, como sempre, e era já impossível levar a cabo o acalentado plano duma redacção definitiva dos versos a publicar. A fadiga era enorme, a febre subia impiedosamente, e a falta de apetite auxiliava a horrível tarefa do seu enfraquecimento.""
Pouco depois - em 16 de Março, dois dias antes do fim - o derradeiro apelo. Um pedido angustiante de socorro, as últimas linhas traçadas pela sua mão: "" Continuo mal e não posso mais estar aqui. Os ares são fortes de mais. Morro se continuo. ""
Não continuou... mas era entretanto chegado o momento - aquele desde sempre escrito no livro do destino -em que acabaria de vez toda a canseira de uma vida predestinada para a dor. Mas dor - e ele sabia-o - que gera a glória e a imortalidade.
Um destino idêntico ao do Luís...
Aquele último grito da carta do poeta, mais apelo da morte que sinal de vida, é logo ouvido por Augusto Nobre que de Lisboa, onde se encontrava, corre directamente ao Seixo para no dia seguinte acompanhar o irmão nos seus últimos passos na terra.
Chegam à Foz ( "" Que lindo que isto é! "" ), quando a tarde começa a declinar.
Na manhã seguinte - era o dia 18 de Março de 1900 - o poeta apenas espera, para se extinguir na paz e na resignação, aqueles braços fraternos que o hão-de amparar no último alento.
"" Sentando-me junto da cama, disse-me, passados momentos que se sentia muito mal e que ia morrer. E sem que lhe notasse qualquer sintoma de agonia, ele, que estava sentado na cama recostado em almofadas, inclinou-se para mim, abraçou-me e assim ficou. ""

Guilherme de Castilho, António Nobre: a obra e o homem, Arcádia, 2ª edição, Setembro de 1977, pp.97 e 98.

Incêndios em Portugal.

" Estamos à conta de Deus. "

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Infância.

No passado em que eu fui menino
( qual outro me interessaria mais? )
tão feliz eu era!

O Mundo,
o Mundo então
não existia ainda.

Aquele que eu via,
era uma coisa de velhos serôdios,
de pessoas sem graça,
mortas de tédio,
de medos
e ilusões desfeitas.

De luzes
quase apagadas.

Era eu menino
e o futuro tão menino
como eu.

Hoje trago esse menino passado
em mim.

E o futuro,
o futuro ficou por ali,
é apenas sonho
e saudade.

sábado, 7 de agosto de 2010

Mar Português.

Paisagem de cardos,
de cactos e muros baixos,
brancos de cal.

Paisagem sonhada de Capri,
a Capri de Pousão.

Ao fundo,
a linha azul do horizonte
e a capelinha de Nobre,
" Ó Boa Nova, ermida à beira-mar,
Única flor, nessa vivalma de areias! "...

As vagas tempestuosas
rubi-celestes,
da tragédia
dos náufragos
e dos aflitos...

Este mar que vejo e ouço,
na penumbra escura da taberna
do ócio, dos bravos lobos,
junto ao mercado e ao cais,
é verdadeiramente
o mar português,
e banha Mazagão, Salvador,
Mombaça e Nagasaki.

E são castelos
os seus sonhos de espuma.

Alucinados,
os seus cavaleiros, de alísios
e monções,
junto às barras
e nas restingas.

Fortes,
a vau.

VÊ SE VÊS TERRAS DE ESPANHA, de Alberto de Serpa. 1906.

Deixo
A minha solidão
- A solidão povoada em que me fecho -
E vou a Espanha, como tantos vão.

Mas não mercadejar nas ruas de Madrid
Nem por elas flamar, como o bom português:
Vou à dura Castela que apenas entrevi
Nos livros de Unamuno, nas telas de Alvarez.

Ela, de lá de longe, tanto acena
Com futuros poemas verdadeiros,
Que levo uma saudade bem pequena
De praias, ondas, velas, nevoeiros.

E terei praias nas campinas rasas,
Ondas, nas serras quase a Deus erguidas,
Velas, nas asas das cegonhas, longas asas,
Nevoeiros, nas faces contraídas...

Que ansiedade comigo vai, tamanha!
De lá, darei meu lírico sinal.
Vou ver se vejo, pois, terras de Espanha.
- Adeus, areias de Portugal.

Op. Cit., p.166.

Ilusão, de Fernando Caldeira. 1841-1894.

Vêm as ondas uma a uma
Plantar um floco de espuma
Na areia da beira-mar
E ali andam entretidas
Nas delícias repetidas
De a trazer e de a levar.

Mas se passa uma rajada,
Lá vai a espuma levada...
E cada onda, que vai,
Quando a não acha, parece
Que de triste desfalece
E reflui soltando um ai!

Pois mar é a paixão que eu trago
E, se uma esperança afago
No lidar dessa paixão,
Não tarda vento que a leve,
Porque a pomba cor de neve
Era espuma, era ilusão.

In, Cabral do Nascimento, colectânea de versos portugueses,Editorial Minerva, 1ª edição, 1964, pp.95 e 96.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Agosto 2.

O cinquentão, de pele tisnada
pelo Sol das dunas,
passeia-se calmamente
com a Branca de Neve
nos corredores
do centro comercial,
à noite.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A Praia, Hoje.

A espuma fresca
seca a boca
num murmúrio inaudível.

Os corpos, em paz,
expostos ao Sol
com a sua textura granulada
de veludo.

As cores do arco-íris.

Ou só o verde-acastanhado
do mar.

A ilusão de não estarem
nunca sós,
envolve de tristeza
toda a praia.

E quando o vento parar de soprar
e a água na baixa-mar
se espreguiçar na areia húmida

o silêncio confundir-se-á
com as vozes roucas
e cegas
dos versos de Camões...

" O céu, a terra, o vento sossegado...
As ondas, que se estendem pela areia...
Os peixes, que no mar o sono enfreia...
O nocturno silêncio repousado...
O pescador Aónio, que, deitado
Onde co´o vento a água se meneia,
Chorando, o nome amado em vão nomeia,
Que não pode ser mais que nomeado:
- Ondas - dizia - antes que Amor me mate,
Tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo
Me fizestes à morte estar sujeita.
Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
Move-se brandamente o arvoredo;
Leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita. "

Soneto de Camões, 104., Lírica, IIIºVolume das Obras Completas, Círculo de Leitores, 4ª Edição, 1981, p.202.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Auto-Retrato.

Não posso esquecer-me de mim, nunca.
Sou aquilo que escrevo e aquilo que sou.

Sou menos, no que escrevo.
Já vivi quase tudo.

Pouco me importa agora.
Nada esqueci,
mas também de nada
me lembro já.

E depois,
porque não exaltar apenas
uma tarde assim,
tão serena
e ver a tarde cair
no bico dos pardais?

Mais um pouco
e são horas de sair
para jantar...

domingo, 1 de agosto de 2010

Agosto.

Este Verão, não sei,
não apetece.
O calor sufoca.

Há incêndios por todo o lado,
de Portugal à Rússia,
da Rússia à Califórnia.

Cheias,
não rima com China,
mas parece.

Os sicários matam
em Ciudad Juárez.

E em Paris,
há cargas policiais
contra mulheres indefesas
e crianças.

Este Verão,
não.

As cartas de Napoleão
para a arquiduquesa de Áustria,
sua segunda mulher,
entediam-me.

" Alice já não mora aqui ",
também.

Um mergulho no mar,
às nove da manhã,
talvez.

Mas a viagem...

A distância...

Este Verão,
realmente...