sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Madeira 3.

" Fomos vendo passar casas inteiras, carros e frigoríficos. "

O céu muito escuro.
A chuva metia medo.
As ribeiras transbordaram.

Debaixo de lama, rochas
e troncos de árvore.

Estava ali há horas.
Tinham removido dos escombros
o corpo.

A derrocada.
Casas, pinheiros, carros.
Lama.

Tudo se desmoronou.
Destroços.
Pedregulhos enormes.
Pedaços de talha dourada.

O carro azul-escuro
entalado num quintal,
no meio das casas.

Correu para casa
aos gritos.
Foi procurar a mãe.

O cadáver de uma criança.

O barulho da ribeira e do vento
era ensurdecedor.

De madrugada conversaram
à luz das velas.
" Vi uma coisa escura
atrás de mim. "

Angústia.
Pânico.

O outro rumor.
Aflição. Choro.


( Elaborado a partir da reportagem " Morte e Sobrevivência ", revista Sábado, nº304- 25 de Fevereiro a 3 de Março de 2010. )

Madeira 2.

" Vou morrer,
não aguento tanta tristeza. "

Madeira 1.

" Estou triste
como a noite ",
a voz flautada
de dor.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Eu Adoro-te, Tôchim.

O anjo negro
iluminado à noite
por archotes, que vão seguros
pela mão de mascarados
de águias negras
luxuosíssimas...

A locomotiva
que parte da estação central
numa nuvem de fumo
e ao som do compasso metálico
de bielas
e cambotas
oleosas...

E a carruagem
puxada por uma quadriga
ajaezada de veludos
carmins
e roxos,
debruados a ouro.

Eu daria tudo
por te revelar
o meu maior segredo,
sobrevoando a razar
a preia-mar do litoral
português,
de óculos escuros,
auscultadores
e um boné azul
ultramarino.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

14 de Fevereiro. ( Para ti. )

O deserto
sombreia o teu corpo
pelas dunas.

Tombam maçãs
na relva dos pomares.

E as gaivotas
voam para as arribas,
antes que o temporal
se abata sobre o mar.

Uma linha de luz
desponta no horizonte,
ao nascer do dia.

A esta hora,
a imaginação renasce
em mim,
como uma revoada de anjos,
subindo aos céus.

E um bimotor atravessa,
em velocidade constante,
a extensa solidão
do deserto.

Casimiro de Brito.

13 de Fevereiro
Sento-me, e o mar senta-se comigo, nesta esplanada de falso inverno. É bom conversar com quem nos entende, um velho amigo, diante de uma mesa vazia. Quase vazia- uma garrafa de vinho ( ou é alma? ) também é gente. Os papéis, que sempre me acompanham, nem os tirei da algibeira. Este tampo desamparado basta. Basta para dizer um coração sem descanso, sem descanso partindo-se, a perfeição dos barcos silenciosos, o sabor de uma língua que muito amo, o medo das máscaras e das lápides. Alfaias e afazeres ficaram por momentos esquecidos onde há pouco andei a correr de um lado para o outro. O mar parece compreender: sem velhice nem lágrimas ensina-me o pouco que espero dos dias e das noites, alguma serenidade.

( ... )


Casimiro de Brito, Na Barca do Coração, Campo das Letras, 1ª Edição, Porto, Novembro de 2001, pág.48.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Sofia Coppola.

Estive a ouvir
Beach House e Fever Ray
no computador,
agora os CD já são passado
e os Vinil, um verdadeiro luxo.

Tenho um blogue só de poesia,
tão simples como ter apenas
palavras escritas
no computador,
que ninguém lê.

Oh, quem não esteve
na Avenida de Roma,
na segunda metade
dos anos 70,
pegue, por favor,
no computador.

Ouça Get Well Soon,
ou Girls
e veja os filmes de Sofia Copolla.

Isso.
Veja todos os filmes
de Sofia Copolla.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O Melhor Futebolista do Mundo.

Bonito, bonito...
é o jovem velocista africano,
pronto para correr
na pista de 100 metros.

É o índio na pradaria,
a cavalo do seu Mustang
malhado.

Bonito é o ganadeiro ribatejano,
que se passeia por bares à noite,
vestido de canastrão sóbrio
e não sabe ainda que o é.

É o turco de Istambul
ao cair da tarde,
que encanta as turistas
com os seus olhos verdes.

O esquimó pobre
vestido de peles de urso branco,
que come com auto suficiência
a carne crua das focas.

Bonito, realmente,
é o mecânico de subúrbio,
que cultiva os biceps
sob a t-shirt de feira.

O pescador humilde,
que tem olhos da cor do mar.

O turista acidental,
que se passeia com uma Beth
Ditto qualquer
e é feliz.

O marido da sostra,
que não era quando se casou.

O inevitável boémio,
o eterno solitário,
sem qualquer interesse
nem nenhuma posição.

Talvez também esse futebolista,
que trabalha dentro das chuteiras
e pensa dentro do relvado.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Para a Tôchim.

Amo as tempestades nocturnas
e o ribombar dos trovões.

( Nesse mar pouco chão,
de pouco me serviria
a carta de patrão... )

Amo as falésias,
o sal que se estilhaça
quando rebenta o mar.

Amo o sobrevoo
de helicópteros
sobre a pradaria.

A força das manadas
contra os curros.

O trote elegante
das éguas
na manhã serena.

O formigueiro sibilante
ao Sol de África.

Amo o silêncio
das nuvens altas,
estas nuvens negras
de chumbo.

E o som do chuveiro
de encontro
ao reposteiro.

Sair do banho
para a solidão
da casa.

Acender o candeeiro
da cozinha
e inundar-me
da luz de lama,
do sonho de argila,
a terracota fina
da tua memória
em mim.

Amo a mudez
do telemóvel,
outro dia ainda.

O chá de tília
antes de adormecer.

E a ti,
na brancura pura
doutro amanhecer,
eu amo-te ainda mais,
só a ti.