segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Bagaço em Setembro, de Cesare Pavese.

As manhãs passam claras e desertas
nas margens do rio que de madrugada se enevoa
e escurece o seu verde enquanto espera o sol.
O tabaco que vendem na última casa
ainda húmida, na orla dos prados, tem uma cor
quase negra e um sabor sumarento: o fumo é azulado.
Também têm bagaço, da cor da água.

Chegou o momento em que tudo pára
e amadurece. As árvores ao longe estão quietas:
tornaram-se mais escuras. Escondem frutos
que ao mínimo abanão cairiam. As nuvens esparsas
têm uma polpa madura. Ao loge, nas avenidas,
todas as casas amadurecem à calidez do céu.

A esta hora só se vêem mulheres. As mulheres não fumam
e não bebem, sabem simplesmente estar ao sol
e recebê-lo tépido, como se fossem frutos.
O ar, cru por causa da névoa, bebe-se aos golos
como bagaço, todas as coisas exalam um sabor a bagaço.
Até a água do rio bebeu as margens
e macera-as no fundo, sob o céu. As ruas
são como as mulheres, amadurecem paradas.

A esta hora todos devíamos parar
na rua e ver como tudo amadurece.
Há até uma brisa que não altera as nuvens,
mas que basta para dirigir o fumo azulado
sem o romper: é um novo sabor que passa.
E o tabaco impregnou-se de bagaço. E assim as mulheres
não serão as únicas a gozar a manhã.


Cesare Pavese, op. cit., pp.163 e 165.

Mulheres Apaixonadas, de Cesare Pavese.

As raparigas descem para a água ao fim da tarde,
quando o mar se esvai, estendido. No bosque
cada folha estremece quando emergem prudentes
na areia e se sentam nas dunas. A espuma
alonga-se em jogos inquietos na água distante.

As raparigas têm medo das algas escondidas
sob as ondas, que se agarram às pernas e aos ombros:
o que está nu do corpo. Sobem rápidas para as dunas
e chamam-se pelo nome, olhando à volta.
Também as sombras no fundo do mar, no escuro,
são enormes e vêem-se mexer, incertas,
como atraídas pelos corpos que passam. O bosque
é um refúgio tranquilo ao pôr-do-sol,
mais do que o areal, mas as raparigas morenas
gostam se sentar à vista de todos, na toalha em desordem.

Estão todas encolhidas, apertando a toalha
contra as pernas, e contemplam o mar plano
como um prado ao fim da tarde. Ousaria alguma delas
deitar-se agora nua na erva dum prado? Do mar
saltariam as algas que afloram os pés,
para agarrar o seu corpo trémulo e envolvê-lo.
No mar há olhos que às vezes reluzem.

Aquela estrangeira desconhecida, que nadava de noite
sozinha e nua no escuro quando muda a lua,
desapareceu uma noite e nunca mais volta.
Era alta e devia ser duma brancura deslumbrante
para que do fundo do mar aqueles olhos a alcançassem.


Cesare Pavese, Trabalhar Cansa, Edições Cotovia, Lisboa, 1997, pp. 89 e 91.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A Chuva.

Cai agora a chuva,
monótona e silenciosa.

Vejo-a na contra-luz do candeeiro,
persistente e fresca, quase transparente.

Eu esperava por este dia,
por nenhum motivo especial.

Apenas pelo prazer de ver tudo lavado
e nítido, a rua, as árvores, os carros.

E por sentir que assim a Vida se renova
e o Mundo avança na sua lenta rotação.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Sem Palavras.

O teu silêncio talvez seja
o ulular sombrio de aves
nocturnas,
ou a fluidez serena de gaivotas
que rasgam o vento,

não sei...

Sei que emudeci,
inquieto,
como se já não respirasse
nesta metrópole imensa,
e, desorientado,
não encontrasse o formigueiro,
a avenida circular, a praça,
o regresso.

Dei comigo a descer a falésia
e a correr para o mar.

Então sim, pude ouvi-lo,
a esse imenso oceano,
pensativo, teimoso,
rumuroso,
ruminante.

E soube que não sou feliz,
sem ter pronunciado
uma única palavra também.

Irène, de Alain Cavalier.

" Vinte e cinco páginas de ternura lêem-se num segundo. "

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Em Setembro, sim.

O pessimismo natural
nos momentos de maior fadiga.

O que se deita ao esquecimento,
ao tecido vegetal.

Uma vez,
os olhos piscos de poeira,
o desalento ao estacionar,
o cansaço desmedido
que tudo reprova,
de estéril.

Como se a cidade se desfizesse
em cacos de louça,
na minha cabeça.

Não,
as acácias agora adormeceram,
transidas,
num pingo.

E já não brilha e ofusca
o Sol, ao fim da tarde.

Agora está tudo mais seco.

E não se conversa,
nem nada disso.

Agora, anda tudo muito calado
e coloquial.

Em Setembro, sim.
Ainda.

O Oeste.

Não,
não é o desapego da distância,
mas só não poder chegar,
tão depressa.

A constelação de momentos passados
que nos encheu de felicidade.

E as aldeias ao longe,
a paz da cal nos muros.

Vou passear para o forte,
nem que seja amanhã.

As pessoas que o fazem
já por lá andam.

E vou sentir a espuma no rosto,
com que o oceano nos salpica.

Água,
vou beber água.

domingo, 12 de setembro de 2010

11/9. 2.

Sunshine.

Towers of light.

Open clouds,
freedom
whisper.

Sounds of music.

Roaring
clouds,
wings
of angels.

Sunshiny
sky,
the day after.

No clouds,
in this open air.

sábado, 11 de setembro de 2010

11/9.

Anjos sem rosto
que eu vejo,
talvez
desenhados nas nuvens,
espreguiçando-se
lentamente,
talvez despedindo-se
de mim
também...

I love you,
tantas vezes repetido
num derradeiro
telefonema,
um último s.m.s.

Anjos despedaçados,
desfeitos
inocentes.

I love you,
my angels,
my eyes.

Sunshine.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Setembro 2.

Há muito tempo que estou sozinho,
porque sim,
porque quero.

A empregada é para mim
uma dor-de-alma,
desarruma-me tudo,
recoloca depois como quer
e nunca como estava.

Mas regresso a casa
depois dela ter vindo
e reconforta-me o aroma a lavado,
a passado e limpo.

O gato envelheceu
e dorme cada vez mais,
por isso
já não estraga,
já não parte,
nem nada.

Sou cada vez mais eu,
nesta casa ampla,
neste Mundo só meu.

Aqui me desprendo
do passado,
da memória,
influências,
actividades
e sonhos.

É apenas Setembro
que entra pelas janelas.

A temperatura fresca,
os tons rosados,
a luz coada,
o silêncio.

É bom...

Setembro
dentro de mim,
dentro de casa.

Setembro
no sono do meu gato.

domingo, 5 de setembro de 2010

Setembro.

Poentes de Setembro,
cor de azeite,
como em António Nobre.

Fins de tarde
da cor de maçãs
e parras de videira.

O vento fresco que varre os campos
e sacode as aves para sul.

Um filme de Woody Allen,
um poema,
música,
September Songs.

Barcos velozes a motor
que se afastam no alto-mar.

A noite que se antecipa
ao sonho.

Virgem,
o amor.