segunda-feira, 30 de julho de 2012

The Beatles I Am The Walrus (2009 Stereo Remaster)

O Famoso Caderno. Estúpida Interrupção.

Cai o silêncio sobre a madrugada,
envolto nos panejamentos carmim
do quarto fechado e escuro de breu.

Acendo uma palavra na boca inútil,
uma só palavra, depois outra e outra
e nelas retenho o sabor da água do mar
e a frescura do sonho, sonho a sonho.

Palavra a palavra, escondo o teu nome
na boca deserta. Nunca mais os dias
foram assim, abertos e lisos como...

sábado, 28 de julho de 2012

The Cure - Apart

O Famoso Caderno. Maria João Saraiva.

MARIA JOÃO SARAIVA, in A DOR QUE ME DEIXASTE (Trilhos ed., 2ª ed, 2011)

IV

Tu foste chegando e tocando, sempre devagar e o corpo foi cedendo, foi-te deixando entrar e embalou-se na música da tua presença feita de gestos, palavras e silên...cios. E eram as tuas mãos que iam deixando escorrer afectos para dentro de mim, eram as tuas mãos que nos iam ligando e , a pouco e pouco, elas tinham mergulhado na minha pele. Elas falavam, diziam tanto e foram tocando silêncios; silêncios escondidos. Era a muralha a cair, sabia-o. E agora? Repô-la no lugar, não deixar que o calor e a luz entrassem para descerrar o que o breu iludia de nada, ou despir-me e deixar-me tocar, deixar-me querer e inebriar-me de cores, de cheiros, de sensações? Sentia medo, mas já estava a querer.
 
 
In, Quem lê Sophia de Mello Breyner Andresen.

O Famoso Caderno. Show it, if you want !!!

quinta-feira, 26 de julho de 2012

O Famoso Caderno. Um Deus Menor.

Se eu pudesse contar,
em poucas palavras,
o enredo desse pequeno
romance, que não escrevi.

A revelação, tão nítida,
que o fez terminar, para mim.

Agora, um tiro no escuro
atravessa os seus negros capítulos.

E eu, ergo-me em estátua
e deixo que o tempo
me destrua.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

O Famoso Caderno. A espera 3.

O Famoso Caderno. Happy Hour.

Não mostres as imagens
do amor,
deixa ser o vento
a levá-las
pelo ar.

Vá lá,
cerra os olhos,
vê só tu.

O Famoso Caderno. Eugénio de Andrade.

EUGÉNIO DE ANDRADE, in CHUVA SOBRE O ROSTO, (Modo de Ler/Ed. Afrontamento, 2009)

ÚLTIMA CANÇÃO


Se puderes ainda
... ouve-me, rio de cristal, ave
matutina. ouve-me,
luminoso fio tecido pela neve,
esquivo e sempre adiado
aceno do paraíso.
Ouve-me, se puderes ainda,
Devastador desejo,
fulvo animal de alegria.
Se não és alucinação
ou miragem ou quimera, ouve-me
ainda: vem agora
e não na hora da nossa morte
- dá-me a beber a própria sede.

in, Quem lê Sophia de Mello Breyner Andresen.

O Famoso Caderno. Sem mais.

Foto: :(:)

domingo, 22 de julho de 2012

sábado, 21 de julho de 2012

Paulo Gonzo Espelho de Água

O Famoso Caderno. Álvaro de Campos.

Desfraldando ao conjunto fictício dos céus estrelados
O esplendor do sentido nenhum da vida...

Toquem num arraial a marcha fúnebre minha !
Quero cessar sem consequências...
Quero ir para a morte como para uma festa ao crepúsculo.

Fernando Pessoa, Poesias de Álvaro de Campos, Edições Ática, Lisboa, Outubro de 1958, p. 130.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

O Famoso Caderno. Plenitude.

Gosto do equilíbrio
se está um acento agudo
no segundo i,
na sílaba lí...

Não sei bem porquê,
mas assim parece-me
ser mais fácil atingir
a plenitude...

Nem sei mesmo porquê...

sábado, 14 de julho de 2012

O Famoso Caderno. Morreu Fernando Pessoa.

REPRODUÇÃO DA NOTÍCIA DA MORTE E ENTERRO DADA PELO “DIÁRIO DE NOTÍCIAS”
MORREU FERNANDO PESSOA
grande poeta de Portugal

Fernando Pessoa, o poeta extraordinário da Mensagem, poema de exaltação nacionalista, dos mais belos que se tem escrito, foi ontem a enterrar.
Surpreendeu-o a morte, num leito cristão do Hospital de S. Luiz, no sábado à noite.
A sua passagem pela vida foi um rastro de luz e de originalidade. Em 1915, com Luiz de Montalvor, Mário de Sá-Carneiro e Ronald de Carvalho — estes dois já mortos para a vida — lançou o Orpheu, que tão profunda influência exerceu no nosso meio literário, e a sua personalidade foi-se depois afirmando mais e mais. Do fundo da sua «tertúlia» a uma mesa do Martinho da Arcada, Fernando pessoa era sempre o mais novo de todos os novos que em volta dele se sentavam. Desconcertante, profundamente original e estruturalmente verdadeiro, a sua personalidade era vária como vário o rumo da sua vida. Ele não tinha uma actividade «una», uma actividade dirigida: tinha múltiplas actividades.
Na poesia não era só ele: Fernando Pessoa; ele era também Álvaro de Campos e Alberto Caeiro e Ricardo Reis. E era-os profundamente, como só ele sabia ser. E na poesia como na vida. E na vida como na arte.
Tudo nele era inesperado. Desde a sua vida, até aos seus poemas, até à sua morte.
Inesperadamente, como se se anunciasse um livro ou uma nova corrente literária por ele idealizada e vitalizada, correu a notícia da sua morte. Um grupo de amigos conduziu-o ontem a um jazigo banal do Cemitério dos Prazeres. Lá ficou, vizinho de outro grande poeta que ele muito admirava, junto do seu querido Cesário, desse Cesário que ele não conhecera e que, como ninguém, compreendia.
Se Fernando Pessoa morreu, se a matéria abandonou o corpo, o seu espírito não abandonará nunca o coração e o cérebro dos que o admiravam. Entre eles fica a sua obra e a sua alma. A eles compete velar para que o nome daquele que foi grande não caia na vala comum do esquecimento.
Tinha 47 anos o poeta que ontem foi a enterrar. Quarenta e sete anos e um grande amor à Vida, à Arte, à Beleza. Quando novo, acasos do Destino, a que ele obedecia inteiramente — Fernando Pessoa teósofo, cristão, que conhecia todas as seitas religiosas e as negativistas, pagão como só os artistas sabem ser, Fernando Pessoa obedecia cegamente ao Destino — levaram-no para a África do Sul. E na Universidade do Cabo cursou o inglês. E de tal maneira estudou a língua que Shakespeare e Milton imortalizaram que, anos passados, apresentava nos cercles literários de serena Albion quatro livros de poemas – «English Poems, I, II, III, IV»; «Antinuous» e «35 Sonnets». E num concurso de língua inglesa alcançou o primeiro prémio.
Depois, uma vez em Portugal, a sua actividade literária aumentou. É de então que data a sua colaboração na «Águia», onde o seu messianismo metafísico, num célebre e elevado estudo, anunciou o aparecimento do Super-Camões da literatura portuguesa.
1915. «Orpheu». Movimento intenso de renovação. Entretanto, colabora no «Centauro», «Exílio», «Portugal Futurista», «Contemporânea». Começa a ser amado e compreendido.
1924. Funda com Rui Vaz a revista «Athena». Depois, de então para cá, a sua actividade multiplica-se. Colabora em revistas modernistas, como «Presença», «Momento» e, há um mês ainda, no «Sudoeste», que Almada Negreiros fundou com notável desassombro. Traduziu Shakespeare e Edgar Poe. Estas são, em linhas muito esquemáticas a sua personalidade. Quem o quiser compreender folheie a sua obra vasta e dispersa. Começará a amá-lo.
*
Da capela do Cemitério dos Prazeres, para jazigo de família, cerca das onze horas de ontem, partiu o corpo do grande poeta. Alguns amigos de sempre acompanharam-no, Foram eles, pelo «Orpheu», Luiz de Montalvor, António Ferro, Raul Leal, Alfredo Guizado e Almada Negreiros; pela «Presença», João Gaspar Simões; pelo «Momento», Artur Augusto e José Augusto, e Ferreira Gomes, Diogo de Macedo, dr. Celestino Soares, António Botto, Castelo de Morais, João de Sousa Fonseca, Dr. Jaime Neves, António Pedro, Albino Lapa, Silva Tavares, Vitoriano Braga, Augusto de Santa-Rita, Luiz Pedro, Luis Moita, Manuel Serras, Dr. Boto de Carvalho, Rogério Perez, Celestino Silva, Telmo Felgueiras, Nogueira de Brito, Dante Silva Ramos, Carlos Queiroz, Mário de Barros, dr. Rui Santos, Marques Matias, Gil Vaz, Luis Teixeira e poucos mais.
O sr. capitão Caetano Dias, cunhado do poeta, representava a família.
Em frente do jazigo que Fernando Pessoa passa a habitar, Luis de Montalvor, seu companheiro de 34 anos de vida literária, proferiu simples e emotivas palavras em nome dos sobreviventes do grupo «Orpheu».
E disse:
«Duas palavras sobre o transito mortal de Fernando Pessoa.
«Para ele chegam duas palavras, ou nenhuma. Preferível fora o silêncio, o silêncio que já o envolve a ele e a nós, que é da estatura do seu espírito.
«Com ele só está bem o que está perto de Deus. Mas também não deviam, nem podiam, os que foram pares com ele no convívio da sua Beleza, vê-lo descer à terra, ou antes, subir, ganhar as linhas definitivas da Eternidade, sem anunciar o protesto calmo, mas humano, da raiva que nos fica da partida.
«Não podiam os seus companheiros de «Orpheu», antes os seus irmãos do mesmo sangue ideal da sua Beleza, não podiam, repito, deixá-lo aqui, na terra extrema, sem ao menos terem desfolhado, sobre a sua morte gentil, o lírio brando do seu silêncio e da sua dor.
«Lastimamos o homem, que a morte nos rouba, e com ele a perda do prodígio do seu convívio e da graça da sua presença humana. Somente o homem, é duro dizê-lo, pois que ao seu espírito e ao seu poder criador, a esses deu-lhes o Destino uma estranha formusura, que não morre.
«O resto é com o génio de Fernando Pessoa»
Os serviços fúnebres estiveram a cargo da Agência Barata.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

O Famoso Caderno. Mais.

Os cascos dos cavalos
lançados a toda a brida.

O silvo agudo de apitos
num filme antigo.

Os nichos côncavos
das conchas.

A fumarada distante.

Contra o incêndio
nas matas,
o fogo imóvel.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

O Famoso Caderno. Zhang Xianliang. Graffiti.

A Famoso Caderno. A Festa, de Tarde.

E eu imagino
que brindavam.

Que enchiam balões
com o sopro,
para as crianças
lançarem.

domingo, 8 de julho de 2012

O Famoso Caderno. Drama.

Gosto mais de ti,
agora que não existes,
que és neblina
e abismo,
lonjura
e noite cerrada.

Gosto mais de ti,
quando o vento
me atravessa a garganta
e cala a voz.

Agora que a noite
escura
me seca os olhos
e incendeia
a dor que sinto
por gostar
de ti.

sábado, 7 de julho de 2012

quinta-feira, 5 de julho de 2012

O Famoso Caderno. Energia Solar.

Vive do húmus
da Terra
o meu amor
por ti.

Acordo
subitamente
a meio da noite
para soletrar
o teu nome
com as pálpebras.

terça-feira, 3 de julho de 2012

O Famoso Caderno. Contra o Óbvio.

Uma só vez,
eu te vi,
como se fosses um anel
que se desdobrasse,
uma só vez.

A euforia que sinto
por te recordar
agora,
a tua pele
cinzenta,
os teus ombros nus
e o meu olhar,
de olhar para ti.

Outra vez,
sem o saberes,
vi o teu corpo
nas pequenas chamas
que acendi na areia,
vi o teu corpo
a ondular,
contra o mar.

Não vou olhar
para ti,
agora.

Não quero
ver o teu olhar.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

O Famoso Caderno. António José Forte.

Poema

Alguma coisa onde tu parada
fosses depois das lágrimas uma ilha
e eu chegasse para dizer-te adeus
de repente na curva duma estrada

alguma coisa onde a tua mão
escrevesse cartas para chover
e eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler

alguma coisa onde tu ao norte
beijasses nos olhos os navios
e eu rasgasse o teu retrato
para vê-lo passar na direcção dos rios

alguma coisa onde tu corresses
numa rua com portas para o mar
e eu morresse
para ouvir-te sonhar

António José Forte, Uma Faca Nos Dentes, & etc, Lisboa, Fevereiro/ Março de 1983, p. 30.

O Famoso Caderno. O Grito.

 

O Acentoooo ?!....

Momus: Huge ( Off the record... )

O Famoso Caderno. António Ramos Rosa.

A MULHER A CASA

*

A casa é branca
É mais branca no silêncio
É mais branca entre as árvores

A própria cidade é branca

*

António Ramos Rosa, Antologia Poética, Selecção, Prefácio e Bibliografia de Ana Paula Coutinho Mendes, Voz Inicial 1960, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2001, p. 57.