segunda-feira, 28 de maio de 2012

O Famoso Caderno. Água.

Ah, os sonhos grandes,
dão-nos vida.

Esses sonhos,
só.

Acesos em nós
como água que jorra
transparente.

Enormes,
imensos sempre.

domingo, 27 de maio de 2012

O Famoso Caderno. De Tarde .

Lá estavam as pedrinhas, a poeira,
a dificuldade em transpor
o pequeno murinho.

Nada acontecia
e o mar
estava azul.

Apenas o farol,
esquecido agora,
subia por degraus
no meio do mar.

E tu a rir-te,
ao falar.

À sombra
da palmeira,
estavam pessoas
como tu.

Como essa sombra
imensa
e tão nítida,
para ti.

Perfeita.

E tu,
sem querer.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

O Famoso Caderno. No Bairro.

E não vejo.
Atravesso o passeio
iluminado
do teatro,
por necessidade.

Estão sempre acesas
as luzes do teatro.

Depende da hora,
aglomerarem-se as pessoas
à entrada.

E eu passo.

O Famoso Caderno. Vazio.

Bebo água com
gotas de limão
e deambulo pelas salas
de roupão aberto
e barba por fazer.

Demoro-me na janela,
a olhar para nada.

A imobilidade
dos automóveis,
abandonados na rua.

Os pombos,
uma vez por outra.

E a luz,
quando muda.

terça-feira, 22 de maio de 2012

sexta-feira, 18 de maio de 2012

O Famoso Caderno. Depressão.

Angustiam-me as sombras
dessa tarde de luz.

A dilatação do silêncio.

O lixo que parece invisível.

A gordura que borbulha
na pele branca.

Deprimem-me as camadas
de verniz, as unhas roídas,
os tufos de erva daninha.

O close-up da poeira.

Um nó na garganta,
as raízes doridas
das árvores gigantes.

A noite que
depois caíu,
muda.

Captain Beefheart This Is The Day Old Grey Whistle Test 1974

quarta-feira, 16 de maio de 2012

O Famoso Caderno. Mediúnico...

Os olhos piscos,
a barba que desponta
e se espeta na cara,
o rosto redondo,
o sorriso apalhaçado.

Os pelos da mão
sapuda,
não.

E esses dedos,
que parecem pés...

O silêncio
fictício,
a encenação
estúpida.

domingo, 13 de maio de 2012

O Famoso Caderno. Assim, nunca...

Nem sei se é amor
o que tu sentes...

O amor enche na vazante,
descobre um filão
de quartzo frio
nos areais molhados
e risca-se na lixa
dos erros
e nos bagos
de uva.

Desenha e alisa
as pedras
e as conchas.

O amor é mais ainda,
indizível como
um segredo,
que ninguém
escutou,
nunca.

Mas não vai bem
com esses caracóis,
o abdómen preso,
a barba,
o desenho velho
de um  perfil
já antigo.

Imagino que o amor
volteia sobre nuvens
e não vem...

Ficamos a olhar
o céu
e não,
não o vemos
nunca.

O amor não se vê,
nem se sabe.

E o que se sente?

Com esses caracóis, nunca.

É um vulto que
esconde os pés
cansados
e brancos,
nas sandálias...

Não está aí,
o amor,
não está
aí.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

O Famoso Caderno. Desânimo. 3.

Já não quero ver gaivotas
a pousar no convés branco dos navios.

Não quero sentir nunca mais,
a humidade dos rolos de espuma,
da água que cai de grandes alturas.

Nem ouvir a música que subia
dessas cascatas de emoções,
quando me recordava de nós,
só por dizerem o teu nome.

O teu sorriso fechou-se.

E as tuas mãos já não abrem
gestos de ternura para mim.

Agora vivo de não te querer.

E ainda bem que não sabes,
nem me vês.

Sou capaz de não reparar,
nem mesmo no avesso
de ti própria.

Ah, os navios, quando anoitece
no porto de Cantão...

segunda-feira, 7 de maio de 2012

O Famoso Caderno. Silva Pinto.

Silva Pinto

Crítico literário, ensaísta, dramaturgo e romancista português, da segunda metade do século XIX, nascido a 14 de abril de 1848, em Lisboa, e falecido a 4 de novembro de 1911, na mesma cidade. Foi um dos principais doutrinadores do Realismo-Naturalismo, privilegiando a estética de Balzac, de cuja obra foi tradutor e grande admirador, e a crítica de Gustavo Planche.Depois de uma passagem pelo colégio de jesuítas de Campolide, começa a trabalhar como ajudante de despachante de alfândega. A partir de 1872, dedica-se ao jornalismo, estreando-se como colaborador no jornal O Trabalho e fundando, juntamente com Magalhães Lima, Gomes Leal, Guilherme de Azevedo e Luciano Cordeiro, a revista literária O Espetro de Juvenal. Ao longo da sua vida, deixará uma imensa colaboração dispersa por periódicos como O Ocidente, Jornal da Tarde, A Atualidade, A Voz do Povo, Revista do Norte e Revista Literária, parte da qual foi posteriormente recolhida nos três volumes dos Combates e Críticas. Em Espanha, combate ao lado dos republicanos contra os carlistas. Depois de uma estada de dois anos no Brasil, regressa a Portugal. Em 1887, recolhe os poemas de Cesário Verde, organizando a edição do seu livro póstumo, que prefaciou e anotou. A partir de 1889, dedica cada vez mais a sua atenção à obra de Camilo, publicando a correspondência mantida com o escritor.

O Famoso Caderno. Florbela Espanca sobre António Nobre.

" ...............................................................................

Eu confesso que em matéria de versos o único que me faz chorar, o único que é para mim Poeta, é António Nobre. Não é desdenhar o resto, pois sei que temos adoráveis poetas, mas... o Anto é o único que eu sinto e por isso é o único que eu amo.

------------------------------------------------------------- "

Florbela Espanca, Obras Completas, Volume V, Cartas 1906-1922, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1986, " Minha querida Júlia ", s/ data, p.177.

O Famoso Caderno. Eduardo de Souza, " O poeta do " SÓ ".

sábado, 5 de maio de 2012

Linda Martini - Adeus Tristeza ( Intervalo)

Fernando Tordo canta "Adeus Tristeza"

O Famoso Caderno. M. Teixeira Gomes sobre António Nobre. 5.

XX

Junho, 14.

O António Nobre atingiu o último grau do lirismo... insuportável. Por dá cá aquela palha pespega-me trechos do Só, que já parecem algo cediços. Mas o pior, ainda, são as passagens do poema que actualmente congemina, e deverá intitular-se O Regresso do Moço Anrique. O tom cavo, cheio de intenções sibilinas, com que ele diz: " O Regresso do Moço Anrique " ! E uns versos do poema, que repete a miúdo, com os olhos fixos no infinito, e um soluço abafado? Trata-se duma nau, que traz especiarias não sei donde:
e vinha à consignação
da firma comercial
Alves & Companhia...

Estava-me ele secando com " O Regresso do Moço Anrique " quando eu descubro, no Diário de Notícias, que chegava ao Tejo um navio de guerra turco ( ... ). Li a notícia ao Nobre. - " E - acrescento - se nós fossemos visitar a nau turca, enquanto não chega o moço Anrique? " Fomos. ( ... )
Somos muito bem recebidos; ( ... ) Despedimo-nos encantados; o Nobre quase ressuma alegria...

Id., Ibidem, pp. 201 e 202.

O Famoso Caderno. M. Teixeira Gomes sobre António Nobre. 4.

Junho, 29.

Janto com o Nobre em " York House " e depois, passeando, encontrámo-nos no pátio do " Internacional " com o Eduardo Perestrelo, rapaz magro, loiro, olhos azuis, afectando na expressão a ternura meridional e nutrindo por Madame Verharghe uma paixão desenfreada. Apresento-lhe o Nobre e ele apresenta-me o Baltasar Cabral, mocinho de olhos espertos, bigodinho preto e untado, e um falso ar romântico, tal como convém ao amante oficial de " uma senhora da nossa primeira sociedade ".
Esperamos a saída dos Verhaeghe, que jantaram no hotel com vários amigos e então houve um sarilho de apresentações: o Nobre aos Verhaeghe; minha à condessa de Cranneville, com quem devo jantar amanhã no " Bragança ", a convite do Della Faille, etc.
Depois fui com o Nobre ao Terreiro do Paço, onde se organizava, entre chuvas e insultos dos populares, o tão decantado cortejo de homenagem à Rainha, e volto à Avenida, no alto da qual a Corte aguardava a chegada do cortejo... que nunca chegou. Foi-se dispersando pelo caminho, graças à hostilidade do público, e às zaragatas que daí derivaram, sem falar na timidez ou cobardia dos indivíduos angariados para realizar a homenagem.
Na tribuna ocupada pela Corte, a pobre D. Amélia, com ar consternado, avultava como gigante entre pigmeus dando bordos de galera errante, pano todo fora, mas sem rumo certo. ( ... )
A noite terminou com a apresentação do Nobre ao Fialho, e embora aquele ainda estivesse ressentido pela forma como o outro zombara da mocidade poética da sua geração, portaram-se ambos bizarramente, trocando gabos e louvores de toda a espécie...

Id., Ibidem, pp. 194 e 195.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O Famoso Caderno. M. Teixeira Gomes sobre António Nobre. 3.

Junho, 16.
António Nobre, com o Silva Pinto, e o habitual séquito de literatos incipientes, vieram jantar comigo no hotel. Durante as duas horas que durou a refeição, bem regada de Colares, e depois uma hora de café casado à aguardente de cana, o Silva Pinto não deixou falar ninguém. Debalde o António Nobre tentou, por várias vezes, dizer uns versos ( do poema " O regresso do moço Anrique " ) inspirados a noite passada pelo ruído do vento no claustro da " York House " ( House com h cada vez mais profundamente aspirado ).  Nada conseguia cortar a palavra ao Silva Pinto ( ... )
A evocação deste vulto colossal ( Camilo ) açambarcou-me o espírito, e para nele poder pensar livremente desisti de levar o Nobre a casa de O ´Neill, desenvencilhei-me da trupe impertinente, e pus-me a deambular sozinho, pela noite fora. ( ... )

Id, Ibidem, pp183 e 184.

O Famoso Caderno. M. Teixeira Gomes sobre António Nobre. 2.

" ( ... )
Apenas nos separámos surge o António Nobre: literatura e bibelots. Li-lhe ( que farsa ! ) a amostra que mais quadra ao seu temperamento lacrimoso: O meu grande amigo Tomás. Conveio em que o levaria a casa do Jorge O´Neill, que é hoje proprietário do jornal Repórter, onde o Nobre gostaria de publicar " certas novidades destinadas a alvoroçar o País ". Como devemos jantar juntos domingo, talvez o leve lá nessa noite. "

Id. Ibidem, IX Junho, 9, pp. 178 e 179.

O Famoso Caderno. M. Teixeira Gomes sobre António Nobre. 1.

" Já passava da meia-noite apresentou-me ( Francisco Carrelhas ) ao poeta António Nobre, ao caricaturista Celso Hermínio, e a diversos anónimos e aspirantes mínimos a literatos, que abancavam a nosso lado na companhia do Gomes Leal.
O Celso Hermínio tem a aparência de um excelente e inofensivo rapaz, de grandes olhos ingénuos, sem sombra de malícia, que indicarão tudo menos o caricaturista.
António Nobre pouca ou nenhuma diferença faz de quando o vi no Hotel Mondego em Coimbra; porém a expressão fisionómica é agora de desencantada amargura. Veste de negro e usa uma abotoadura de camisa feita de grandes cabeças de pregos de ferro batido, semelhantes àquelas que é costume pôr nas imagens do Senhor crucificado.
Largando os outros apresentados, com ele seguimos até à Tabacaria Mónaco, onde o proprietário, o Sr. Cruz, dormente e pálido como massa de pão cru, nos recebeu festivamente, estendendo-nos as suas estranhas mãos cujos dedos parecem bananas.
O encontro com o Nobre ( cujos versos admiro deveras ) acendeu um lindo e brilhante fogo de vistas, de elogios e disparates literários : loucuras inocentes de onde nenhum mal vem ao mundo. Ele tomou o último amercicano que o leva a penates ( York House, Janelas Verdes, 32 - o " House " dito com o H profundamente aspirado ) e eu com o Carrelhas deambulámos pela cidade deserta, filosofando até que nasceu o sol. "

Manuel Teixeira Gomes, Regressos, Bertrand Editora, 4ª Edição, Lisboa ( 1895 ) II. Maio, 13., Venda Nova, Dezembro de 1991, pp. 163 e 164.

terça-feira, 1 de maio de 2012

O Famoso Caderno. Desânimo 2.


São artistas que
revelam uma enorme
falta de gosto...

Detesto
a forma atabalhoada
que põem em tudo
o que fazem.

São brejeiros
quando brincam.

" Malandrecos "
uns com os outros.

Beijam-se
e amam-se,
porque sim.

Acabam controlados
pelos mais
exibicionistas.

Parece que não
se importam
com o que dizem.

Mas levar-se-ão
a sério
uns aos outros?