quarta-feira, 2 de maio de 2012

O Famoso Caderno. M. Teixeira Gomes sobre António Nobre. 1.

" Já passava da meia-noite apresentou-me ( Francisco Carrelhas ) ao poeta António Nobre, ao caricaturista Celso Hermínio, e a diversos anónimos e aspirantes mínimos a literatos, que abancavam a nosso lado na companhia do Gomes Leal.
O Celso Hermínio tem a aparência de um excelente e inofensivo rapaz, de grandes olhos ingénuos, sem sombra de malícia, que indicarão tudo menos o caricaturista.
António Nobre pouca ou nenhuma diferença faz de quando o vi no Hotel Mondego em Coimbra; porém a expressão fisionómica é agora de desencantada amargura. Veste de negro e usa uma abotoadura de camisa feita de grandes cabeças de pregos de ferro batido, semelhantes àquelas que é costume pôr nas imagens do Senhor crucificado.
Largando os outros apresentados, com ele seguimos até à Tabacaria Mónaco, onde o proprietário, o Sr. Cruz, dormente e pálido como massa de pão cru, nos recebeu festivamente, estendendo-nos as suas estranhas mãos cujos dedos parecem bananas.
O encontro com o Nobre ( cujos versos admiro deveras ) acendeu um lindo e brilhante fogo de vistas, de elogios e disparates literários : loucuras inocentes de onde nenhum mal vem ao mundo. Ele tomou o último amercicano que o leva a penates ( York House, Janelas Verdes, 32 - o " House " dito com o H profundamente aspirado ) e eu com o Carrelhas deambulámos pela cidade deserta, filosofando até que nasceu o sol. "

Manuel Teixeira Gomes, Regressos, Bertrand Editora, 4ª Edição, Lisboa ( 1895 ) II. Maio, 13., Venda Nova, Dezembro de 1991, pp. 163 e 164.

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