terça-feira, 29 de março de 2011

Ela. ( a pobre fugitiva ) .

Dispersas linhas,
sem alinhavo e

sem lembrança

de coisa alguma,
que o tivesse valido...

Nada.

Um espelho de luz
que a cigana
de olhos negros,

pela tarde, descobre
e admira,
a pobre
admira,
extasiada.

Como se não fosse,
ela própria,
essa autêntica miragem.

Ou não fosse ela,

ser distraída
pelo entardecer.

A pobre fugitiva,
que não sabe para onde ir.

A cigana,
coitada.

Bairro Alto.

Ficaram as salas vazias,
acesas para nada.

Uma ou outra luz,
ilumina os corredores,
vazios,
de ninguém.

O triste espectáculo
duma colectividade sem
ninguém.

As salas abertas,

vazias,

simplesmente
acesas.

segunda-feira, 28 de março de 2011

A Guarda De Ferro Da Varanda ; Barbey D´Aurevilly .

Estava esculpida uma garra de leão
no batente do portão, humedecido ainda
pelo nascer do dia,
ladeado por dois muros
muito altos e a copa,
mais alta ainda de
grandes castanheiros,
de grandes carvalhos
adormecidos, de tão robustos.

Fez-se o silêncio, enquanto ainda ecoava
a chamada seca, batida no ferro pintado
da garra de leão.

Contudo,
ao contrário do que se pudesse supor,
a resposta fez-se ouvir de imediato.

Um som de gonzos, entrecortados por
apitos ferozes e gargalhadas em eco.

Um restolhar de folhagens na selva
e o súbito silêncio,
tão comprometedor.

O eco das vozes lá dentro,
dos silvos, dessas gargalhadas difusas,
perdidas em ilusões,
desfeitas pela geada
fria da manhã
e pela sinistra incomodidade
dos lugares mais ermos,
nas casas mais isoladas,
quem sabe...

Quando abriu o portão, o conviva
fazia de lacaio, de lacaio perdido,
sujo, desabotoado, molhado,
fazia de parvo
e não sabia,

parecia um alarve,
a rir,
a rir.

( A chuva não pára
de cair ).

sábado, 26 de março de 2011

segunda-feira, 21 de março de 2011

Lol, Por António Nobre.

A dezoito de Março, num ano já distante,
um ano longínquo, o ano de mil e novecentos,

que sono trago eu...,

morria na Foz do Douro,
em sua casa,
agora para si reaberta,
o Poeta António Nobre,

laughing out laud.

Para uma só noite,
a sua última.

Depois,
mais nada.

António
Pereira Nobre
morreu,

pronto.

domingo, 20 de março de 2011

Misora Hibari.

Domingo de Manhã, Muito Cedo.

Não disse uma palavra sobre o
tempo, pediu um café que bebeu
sozinho ao balcão, tão cedo de manhã.

Disse não se lembrar do que falou
enquanto bebeu o café.
Nem depois.

Entrou para o carro pelo lado esquerdo
e quando rodou a chave de ignição,
acendeu o tablier.

Ouviu-se uma voz
na telefonia.

Depois, recebeu o Sol muito forte
pelo lado esquerdo da cara,
quando começou a guiar.

sábado, 19 de março de 2011

De Noite.

Vou tomar um café às escuras,
sem acender nenhuma luz,
à luz dos candeeiros da rua,
às escuras, pela casa
e na cozinha.

Uma chávena de café com
açúcar mascavado,
mas muito pouco.

E um copo de água.

Vou para o sofá,
às escuras.

美空ひばり 「悲しい酒」

津軽のふるさと

美空ひばり 花笠道中

美空ひばり - 川の流れのように

美空ひばり-車屋さん

Disse Que Não, Disse Que Não E Fiquei Sem Palavras.

2.
Se não fossem as sombras, aqui e ali, de árvores jovens,
pessegueiros, pequenas laranjeiras, arbustos exóticos de jardim,
pitangueiras e jindungueiros, debaixo de Sol,
enquanto espreguiçava, um pouco distante, sob
o telheiro improvisado,
debaixo de Sol,
e tinha
o Mundo por desbravar.

Se não fossem as sombras,
a repetição dos dias,
o conhecimento das estações,
a rega dos pequenos vasos,
tão atenta,
os cuidados merecidos
do gato,
ele-próprio,
se não fossem as sombras,
nem eu saberia falar,
ou eu nada saberia,
de nada,
nem dessas sombras,
numa tarde de Sol.

Os Meus Vizinhos.

Se não fossem as sombras que encontrei pela tarde,
em que o Sol foi descendo, enquanto subiam as sombras
pela esplanada,
até a contraluz atingir o muro,
a parede ao fundo,
as arcadas escuras,
com o próprio Céu a escurecer cada vez mais,
as sombras dilatando,
crescendo, até ser noite, muito escura,
e as senhoras, ou os senhores,
aqui e ali, nessa noite escura,
saírem à rua,
a levar os sacos-de-lixo,
riscos amarelecidos de roupão turco
e sandálias,

ou a passear o cão,
altivos, serenos, de cigarro na mão,
sumindo depois para dentro dos prédios,
da luz do hall,
subitamente apagada.

terça-feira, 15 de março de 2011

Por Fukushima e Sendai.

Por Fukushima
e Sendai
eu curvo-me
em reverência.

Dói-me a cabeça
por Fukushima
e Sendai.

Dói-me.

Aqui estou,
em silêncio,
por Sendai
e por Fukushima.

Aqui estou.

segunda-feira, 7 de março de 2011

O Moleiro.

Este moleiro vulgar,
homem do povo que só sabe
buscar o vento, soltar as velas,
fazer rodar a mó
e com mãos imundas,
guardar a farinha branca
de trigo em sacos de juta,
que o lisboeta egoísta
depois consome,

que sabe este pobre homem
que agora dorme, feliz,
se tu, de madrugada,
atravessas a Estremadura, veloz,
no teu automóvel tão rápido,
para depois
te vires deitar,
em silêncio,
na minha cama?

Que sabe, o pobre homem,
destes lençóis, tão alvos
como a sua farinha?

Pouso Noturno - Imagem diretamente cabine de comando

Pouso porta aviões

domingo, 6 de março de 2011

Hilo Chen.

W. G. Sebald na Ilha de Rousseau, a Ilha de Saint-Pierre, no Lago de Bienne.

(...)
Em particular à noitinha, depois de os excursionistas do dia terem voltado para casa, a ilha mergulhava num sossego como já quase não se encontra no espaço da nossa civilização e nada bulia além, talvez, das folhas dos grandes choupos com a brisa que por vezes perpassava pelo lago. Os caminhos revestidos de fina gravilha calcária iam-se tornando mais claros à medida que eu os ia percorrendo à hora em que se adensa o crepúsculo, e passei por cercados de pasto, por um campo de aveia sem amanho, por uma vinha e por uma barraquinha de vindimador até que, já sem luz do dia, cheguei ao talude que sobe para a orla de um faial e daí onde vi acender-se, uma a uma, as luzes na margem oposta. O anoitecer parecia subir do lago e por um instante, quando olhava para baixo, formou-se dentro de mim uma imagem semelhante a uma estampa a cores num velho manual de ciências naturais que mostrava, mas muito mais bonitos e nítidos do que nesses desenhos a cores, um sem-número de peixes variados, mostrava-os a dormir nas correntes profundas entre negras paredes de água, uns atrás dos outros e uns por cima de outros, grandes e pequenos, sargos e ruivos, vairões e muges, bogas e lúcios, trutas salmonadas e trutas-comuns, solhas e barbos e tainhas e percas e carpas.
(...)

W. G. Sebald, O Caminhante Solitário, " J´aurai voulu que ce lac eût été l´Ocean... ", Editora Teorema, Lisboa, Setembro de 2009, pp.43 e 44.

Casa na Lapónia.

sábado, 5 de março de 2011

As Boninas 2.

As Boninas.

As boninas crescem
espontaneamente,
viradas para a luz
do Sol.

O Planeta Terra
devia ser um
tabuleiro de
boninas.

terça-feira, 1 de março de 2011