terça-feira, 29 de setembro de 2009

Maçãs Verdes.

Os amiguinhos acordam de manhã
e comem maçãs verdes.

Os amiguinhos leiem livros de poesia
em silêncio
e António Ramos Rosa
é o seu autor preferido.

Comem maçãs verdes à dentada.

Sentam-se e observam
porque são diferentes
e sentem crescer, mas não dizem,
o indizível amor.

Os amiguinhos comem
mais maçãs verdes
e compram laranjas
para fazer sumos
pela tarde.

Gostam de laranjas nas fruteiras.

Os amiguinhos rabiscam cadernos
de paisagens a lápis
e sonham.

Desenham peixes e
conchas e
maçãs verdes.

Os amiguinhos vestem-se
como se chovesse
todos os dias.

E como são amiguinhos,
cada vez mais se parecem
e comem maçãs
verdes.

Noites Brancas. ( Dostoiewski )

" Meu Deus! Um instante de completa felicidade não basta para uma vida inteira? " ( p.110 )

Esperei por ti
três longos dias,
sob um Sol intenso
e a fria Lua.

As nuvens e a chuva,
precipitavam-se e confundiam-se
na voragem infinita do Tempo,
e em mim crescia a angústia da tua ausência,
quando as tardes se acendiam
de saturação e vazio.

Os pilares de Hermes
nas encruzilhadas desertas
e tu, longe de tudo.

Os desertos, a falta de Vida.

Paisagens de De Chirico onde
se instalassem cadafalsos
e decapitassem fantasmas
aprisionados em revoluções
perdidas.

Esperei por ti, tanto tempo.

Ao quarto dia, reneguei
a Língua e o Livro
e já não sabia que fazer,
senão ficar ali, especado, à espera.

As folhas voavam no turbilhão de tempestades.
A luz e a sombra subtraíam a espiral das palavras,
até não haver mais luz.

Ao quinto, perdi a sombra,
o suor e o sangue,
sedentos da espera.

Acordei ao sexto dia
frente às auroras boreais
e os relâmpagos queimaram
as florestas,
a água secou de vez
e o Mundo desapareceu.

Acordei, não sei como,
no aquário da consciência.

Já não sabia de ti, do teu nome,
a tua figura,
nem de nada.

Ah, se eu próprio, nessa altura,
me recompusesse,
desta história esquecida,
esta palavra
apagada...

( Noites Brancas, Dostoiewski, Antologia dos Amigos do Livro, Inquérito, 2ªEdição, Lisboa, sem data. )

Mau Tempo.

Levanta-se o temporal.
Janelas abertas à trovoada
e ao rodopiar do vento.

Na noite de breu,
acendem-se velas no quarto,
que as lâmpadas eléctricas
são mais perigosas...

E as almas,
agora as almas apagam-se
para sobreviver à intempérie
e ao próprio Tempo.

Os mais aflitos,
em surdina, rezam:
- A vida não pára!
- A vida não pára!

E as ladainhas...
- Senhora dos Aflitos!...
- Santa Bárbara, Bendita!...

Segredo.

Às vezes não sei como
dizer,
talvez por não ter a voz
adequada
e não a saber colocar
sequer.

Às vezes não sei como
aparecer,
talvez por me faltar
o tom moreno, os olhos
azuis
e o puro-sangue negro
para me levar.

Às vezes não sei como
vou ser,
talvez por não saber mesmo
como imaginarias
que eu devesse ser.

No entanto,
às vezes eu olho furtivamente
para ti
e vejo-te envolta
na mais pura luz.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Rosa do Sol. ( Fernão Mendes Pinto )

Diário.
21 de Setembro de 2009, viagem de Lisboa ao Porto, 9 da manhã.

" colchas, fatos, prata lavrada, tudo de Portugal... " ( p.34 )


Manhã de Sol em Setembro.
Atravesso o centro de Portugal pela A1, rumo ao Porto.
Junto ao Mondego, o meu pensamento está contigo: adoro-te.
Na Mealhada: aromas de pinheiro e eucalipto, a tua amizade sossega-me.
Despojado de tudo, és tu que me fantasias.
A minha maior aventura é amar-te, tão só.

12:45.
Um Porto doce, para o Porto de Abrigo que tu és
em mim.

Viagem do Porto para Lisboa, 17 horas.

" Mais cinco dias gastámos rio acima: dezasseis dias, em seguida, não vimos gente nem casa, apenas ao longe, lumes bruxuleantes. " ( p.100 )


Ao passar a Ponte sobre o Rio Ancor, extenso vale plantado de milheirais, uma autocaravana de matrícula alemã é ultrapassada por um jeep com um barco a reboque.
Tarde de Sol em Portugal, no último dia de Verão.
KM 156 da auto-estrada.
Renovam-se pinhais e matas de eucalipto.
Pombal Fashion e trânsito intenso.
O Sol bate-me de chapa no rosto.


" Levámos aquela noite ao vento e à chuva, gemendo e chorando, até que, um pouco antes do crepúsculo, se avistou no horizonte uma grande chama, direito à qual nos partimos como para abendiçoado farol. Era uma queimada de carvão, e os cinco homens que ali se ocupavam no trabalho deram-nos um cibo de arroz e água fervida, encaminhando-nos para um albergue que mais longe havia e onde eram gasalhados os peregrinos. " ( pp. 117 e 118 )


Cai agora a tarde.
O céu sanguíneo escondeu o Sol algures.
A vista abrange longes horizontes.
Os automóveis circulam de faróis médios acesos.
A charneca rodeia vinhedos e pomares e, mais adiante, destaca-se o depósito de água duma aldeia próxima.
A desvairada Peregrinação tornou a viagem mais saborosa, menos linear.

Tu estarás em casa,
provavelmente preparando o jantar.
O moderno equipamento de cozinha devolver-te-á uns minutos de descanso.
Vais então sentar-te num sofá da sala e, enquanto folheias uma revista, ligas a televisão pelo comando à distância.

A Oeste, o céu toma tons vulcânicos e, por todo o lado, a noite venceu já o lusco-fusco.
Em Alverca, um motard que conduz uma BMW branca vem todo vestido de couro cinzento.

Daqui a pouco irei telefonar-te.
Terei então chegado a Lisboa.


( Todas as citações são de Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, Adaptação de Aquilino Ribeiro, Colecção Clássicos da Humanidade, Sá da Costa Editora, 2008, Edição Expresso, Data Emissão 2009. )

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Adoro-te. ( Para ti )

Tu depois não vias
que o gelo derretia
e os ovos dos pinguins
se partiam.

Cansaço.

As crianças que guardam cabras
na savana africana.

A urze queimada dos bosques
na Europa distante.

Uma inquietação infantil.

Labaredas que tudo invadissem,
mesmo as casas.

O estridente zumbido dos gafanhotos,
lá ao longe,
num futuro diferente.

E o vento depois,
acendendo fogueiras na escuridão do mato.

Os grilos ensurdecem
com o batuque dos tambores.

A fome.
Estes rostos sujos.

A verdade afinal
é um drama.

Levantam poeira os camiões,
o vento rola agreste pelas encostas
e o horizonte é a perder de vista.

Na Europa longínqua,
os guindastes atacam sonolentos
os prédios em construção.

Tantos rostos sem rosto.
Fome.
E sonho.

Tu, sempre. ( 21 de Março de 2009 )

Amo-te
com palavras simples,
a palavra Paz.

Amo-te como quem sorri,
rajada de vento que
levanta os pássaros em debandada.

A palavra Água,
a palavra Luz.

Amo-te com serenidade,
um leve piscar de olhos.

Amo-te como quem respira,
como se sonhasse.

Amo-te e são longínquas
as paisagens.
O céu, extenso e profundo.

Amo-te assim,
com a palavra Tanto,
a palavra Muito,
Amor.

Barroco. ( Para ti )

Luzes fortes, raios
Ultra-violeta e
Infra-vermelhos explodem
Sobre a minha cabeça,
Aberta ao espaço estelar.

Penumbra depois,
Ao fim do dia, e as
Sensações que me acalmam o
Coração inquieto, revelam
Onde está, onde pára o meu
Amor...

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Conto. ( Homenagem a Franz Kafka ) Março de 1998

( Foram tempos difíceis, 1997/1998. Mas também foram tempos que já lá vão. Termino com a transcrição deste Conto dedicado a Kafka e a satisfação de viver outra vida, noutro século. Je est un autre, eterno Rimbaud. )


CONTO
Insectos que rastejam, que se dispersam entre as árvores e se lançam pelas clareiras em busca de alimento e se alimentam do sangue de animais mamíferos, de vacas, do nosso sangue.
Insectos que voam, que se espalham pelo ar, em volta das árvores, que se soltam pelas clareiras, perseguindo talvez o sangue que os alimenta e nem sei como o detectam.
Insectos que pousam na água das nascentes, insectos que o Verão gerou e que, de forma sibilante, tudo perseguem, as fezes das vacas, o cheiro transpirado dos corpos, a pele porosa e desprotegida dos nossos corpos.
São esses insectos que nos perseguem, quando atravessamos os campos e as estradas em busca de cidades, que sonhamos realizarem os nossos devaneios mais inocentes.
São os mesmos insectos que perseguindo os nossos passos erráticos, o fizeram também a Verlaine e Rimbaud, saindo da Normandia a caminho da Bélgica, ou ainda Apollinaire, quando chegava a Colónia ou a Munique.
Os insectos que Serpa Pinto passava as noites a tentar eliminar, quando pernoitava em cubatas que lhe iam cedendo na sua itinerância pelas margens do rio Zambeze, como nos conta em Como Eu Atravessei a África.
Sem ser exaustivo, refiro as aranhas e os escaravelhos, que simbolicamente tanto de bom representavam entre os egípcios do tempo dos faraós, como aquele enorme insecto que descobrimos na Metamorfose de Kafka, o insecto da culpa duma vida mesquinha, e nesses opostos encontramos justificação para a nossa náusea, para a enorme repugnância que sentimos na monotonia das grandes metrópoles, quando nos deparamos inadvertidamente com esses repugnantes seres.
E é então que damos uma luta sem tréguas às baratas, às traças, às formigas, que irrompem do mais fundo dos armários, pelas roupas que guardamos, ou nos alimentos que temos em dispensas e cozinhas, nas prateleiras, sobre as mesas.
Não viveremos jamais sem insectos. Vão mesmo resistir-nos no Tempo.
Chicago para os ácaros, a Holanda dos pulgões!
São pois os insectos, um capítulo de mineralogia viva, seres abjectos que nos estimulam a imaginação, como talvez se leia em Luciano, bichos gigantes que a micro-engenharia fotográfica desvenda para nosso horror e de que hoje tanto sabemos sobre a sua voragem, a sua força hercúlea, ou a horda cega para salvar uma única rainha geradora.
Habitam os formigueiros, ou os cortiços, dentro do tronco das árvores, na madeira dos armários, nas escadas, nas torres de térmitas, galerias, túneis e reproduzem-se incessantemente, os malvados!
Fascínio neo-gongórico, sei bem, decadentismo serôdio que faz eleger os insectos, apóstolos do comportamento!
Peter Gabriel tão fantástico num jardim de caracóis!
Alice no País das Maravilhas!
Hoje é possível ler obras que explicam os insectos com todo o pormenor romanesco.
Serão úteis cientificamente...
Que importa?!...
Este conto é sobre os insectos que atravessam os campos, que sobrevoam a água, sempre presentes na vida dos mais livres, como em Walt Whitman.
Insectos que proliferam nos tapetes, dentro das gavetas, no fundo de sacos, no interior de elecrodomésticos.
Vou usar uma lupa para observar os seus aparelhos bocais, o seu abdómen, ou o modo como as suas asas se ligam ao tronco.
Vou revê-los em emblemas e em bandeiras.
Vou relê-los na imaginação de pacientes.
Na verdade, não queremos desfazer-nos deles.
Eu não imagino o Mundo sem insectos.
Nem a Morte.
Merecem bem um poema.
Ou um conto.

Diário. ( Março, Abril e Maio de 1998 )

Vês como eu vivo, na margem de tantos erros. Como eu vou de Charlie Brown a Fritz, The Cat, buscar a aparelhagem salva-vidas com que vogo, solitário, no mar-alto da existência que reinventei... para nada...
Para ficar, como quem fica só.
A tergiversar lugares comuns.
Erro Poético de quem leu Erro Próprio, de António Maria Lisboa e ficou na mesma:
para onde quer que me volte, não sou capaz de deixar de ouvir os Rolling Stones, de rever M., de Frtiz Lang, fumar Samson, comer hamburguers.

Enquanto podava arbustos e trepadeiras, no jardim de sua casa em Vila do Conde, a senhora gritava para dentro de casa:
- Toma um banho rápido, está a acabar o gás! Toma um banho rápido!

Árvores que são como cavalos, quando soltam as crinas no galope livre.
Estrelas, que são como praias serenas, quando o Sol se põe e a areia ainda cintila.

São bolas de fogo que a noite acende.

" Já tinha aceite que a vida não é senão uma coisa que se repete(...) A minha vida deixou por completo de me interessar. " ( Pedro Paixão, Vida de Adulto, Edições Cotovia, 6ª Edição, Dezembro de 1998 )

Há muito que não brincamos com esta luz.
Os aviões a levantar voo.
É muito cedo.

É muito cedo, é muito cedo.
Não me doi o pescoço. Não me doi o peso do estômago, dos órgãos que as costelas comprimem, na cavidade toráxica.
A tontura dispersa-nos.
A respiração contida: não sou capaz de abandonar-te.
I want you, but I don`t need you.

As torneiras de água quente abertas jorram fumegantes.
Água muito quente.
Um dia será assim: Nunca mais nenhum compromisso.
Instantaneamente.
Já hoje se dilatam os prazos, se adiam, por vezes, os contactos.

Em pura perda, a nossa relação.
Werther perdido.
Perdido, o coração de Werther.
E tu gostas, tu ainda queres mais.
Tu queres, tu mesma o disseste, já nem sabes como.

Hoje, são temporadas inteiras que não vos vejo, longos períodos de Tempo.
A preia-mar em silêncio.
No mar intenso esfumou-se a tua imagem.
Em todas as marés se apaga.
Um lindo postal, que guardo entre as páginas de um livro esquecido.

A imensa mansidão dos teus ombros.
E o pescoço.
Imensa mansidão, devagarinho.
Sou mesmo capaz de abandonar-te.

Há muito não brincamos com esta luz.
Divididos em sofás, no silêncio.
Imensa vastidão, os teus ombros e o pescoço.
S. Petersburgo não forma só sobre a neve outra ondulação de neve.
O sonho já se esfumou há muito.
E a neve apagou S. Petersburgo desse sonho.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Tu.

As flores,
o vento, a luz do Sol.

As pequenas distracções,
o sorriso,
o Amor dos que são
realmente teus.

Tu mereces tudo isso.

Partida. ( Para a L. P. )

A esfinge que retrata a solidão.
Farol perdido de Alexandria.

O teu mar,
agora são todos os mares.
E a tripulação
é sobretudo filipina.

Há uma noite assim,
na baía do teu corpo.
Luzes intermitentes,
que repousam na água.

E que tu esqueces.

Diário. ( Janeiro e Fevereiro de 1997 )

Um cisne.
Porém, vogando
em águas negras.
O cuidadoso chapinhar da ave.

O olhar acutilante de uma águia.
Um só voo,
o mesmo balanço
ao poisar.

A grande pressão do Tempo,
esse envolvimento.

Um cinzeiro para apagar um cigarro.

Os reactores do Boeing 707 da Sabena na pista principal
da Ala-Norte
do aeroporto de Luanda.

Corto Maltese na bagagem de um adolescente.

O melhor refúgio.
Um salão de chá entre rochedos.
Um refúgio?
A esplanada junto ao rio.
Música para quebrar o silêncio.

Coisas com que eu fiquei de Agosto de sessenta e sete.
Um 45 rotações,
ou a postura que se vê numa fotografia.
Inocência perfeita.
Em Agosto de sessenta e sete.

São momentos breves, os gestos do banho,
cada fricção, cada lugar do corpo.
Deriva permanente.

Uma fonte de água fria,
em poliestireno expandido.

A Cidade em 1997.

Pássaros.
Insectos.
4`33`de John Cage.
Silêncio.

Depois,
os sons da floresta,
um tombar permanente de cascata,
o ruído de um formigueiro,
símios que guincham,
restolhada de ramos nas grandes árvores.
E o seu eco.

O silêncio outra vez.
Depois,
tudo recomeça.
Agitação, gritos, silvos,
ramos que se agitam,
a floresta.
O Tempo.
E a vida da floresta.

A vida obsessiva nas grandes cidades,
há alguma comparação?

Diário. ( 26 de Outubro de 1996 a 8 de Janeiro de 1997 )

1. Respiração lenta.
Névoa.
Manto cinzento recortando os edifícios.
Uma gaiola de canários à janela.
Manhã fria.
É preciso recomeçar.

2. A viagem é agressiva.
É uma autêntica agressão para quem viaja.
Um rochedo na paisagem.

3. Afinal, absorvido no meu trabalho,
é o perfeito deserto à minha volta.

4. De dentro da tua voz namibiana
de New York.

5. Mãe e filho num Toyota dos anos 60, à minha frente, ao passar pela Estação de Serviço, a
senhora faz correr o limpa pára-brisas.
Eu curvei para o Fonte Nova e eles continuaram. A caminho de Benfica? E daí, para onde
ainda?

6. Ele e ela no salão de jogos, bisbilhotando. São o casal esquerdista, o casal avant-garde.

7. Napoleão a cavalo entre as asas de uma borboleta.
Ou seria uma águia?

Franz Schubert e... Tu.

Regresso ao mar tempestuoso,
intrépido navegador solitário.

Arrisco a travessia das grandes
correntes,
prancha que enfuna como as velas
tensas
de uma fragata veloz.

Espraio-me depois sobre
o teu corpo, como
espuma que borbulha nas luras
de caranguejos,
ou algas que repousam revoltas
na baixa-mar.

Nas cidades,
os salões apagam-se
para o silêncio mais profundo,
quando o Sol se põe no horizonte
e as cores em fogo se estendem
ao infinito.

E é então
que o teu corpo arde,
tão lentamente como
uma sinfonia incompleta
ou uma canção crepuscular.

George Steiner, " Errata: Revisões de Uma Vida ", Antropos, Relógio de Água Editores, Novembro de 2001, p.113

Que monótono não seria fazer amor no Paraíso!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O Amor ( para L. P. )

For quiet.
A lot of
reasons.

For quite a
while.

For a lot
of reasons.

Acidente nº 5.

E tu não eras de todo
uma lenda viva de Itália.
Não repousaste nunca
nos braços de Colossos.

Eles, pura
e simplesmente,
não existem.

E tu
és um sonho
tremendo.

Acidente nº 4.

Nunca seria levado
pela voragem do seu Tempo.
Bastava-lhe, para isso,
viver.

Ambulâncias paradas
com as luzes vivas
a piscar.

Nos navios atracados
ao cais,
jorra a água que serviu
de refrigeração aos motores.

Acidente nº 3.

Seria sempre um ingénuo.
Lírios brancos.
O desastre inesperado.
Ofélia flutuando.

Passaria o Tempo a coleccionar
imagens,
as paisagens nas imagens
de Santos, nas paisagens
de fim-de-século.

Pastor do irrealismo.
Distraído,
emocionado.

Acidente nª 2.

Quero ser velado em silêncio,
enquanto a pira arder
e o fumo do incenso se espalhar
no ar.

E ter uma mulher
discreta,
de cabelo dourado apanhado,
vestida de castanho e preto
a acompanhar.

Acidente nº 1.

Passo as tardes
entre as folhas
e o vento.

Paira no ar
o fumo lento
de um cigarro.

O silêncio
adormecido
dos motores
dos automóveis.

Desidratação
imperceptível
de todas as coisas.

Secura
e vazio,
tão só.

Luís de Camões, Lírica, Terceiro Volume das Obras Completas, Círculo de Leitores,Fixação do Texto de Hernâni Cidade, 4ª Edição, 1981, Soneto, p. 218

A fermosura desta fresca serra
E a sombra dos castanheiros,
O manso caminhar destes ribeiros,
Donde toda a tristeza se desterra;
O rouco som do mar, a estranha terra,
O esconder do Sol pelos outeiros,
O recolher dos gados derradeiros,
Das nuvens pelo ar a branda guerra;
Enfim, tudo o que a rara Natureza
Com tanta variedade nos oferece,
Me está, se não te vejo, magoando.
Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
Sem ti, perpetuamente estou passando
Nas mores alegrias mor tristeza.