sábado, 28 de janeiro de 2012

O Famoso Caderno. Fingimento.

Poeticamente, estou acabado,
quando na realidade me sinto
destroçado, um monte de escombros.

Poeticamente não encontro
nestes becos culturais,
e são tantos,
senão desalinho,
roupa velha
e falta de maneiras.

Ao menos não dar
erros de ortografia
e ter aplomb...

Na realidade, há muito
tempo já, eu acabei
com a felicidade
a preço de saldo.

Poeticamente
e na realidade,
tudo vai ter
à mesquinha
e secreta
satisfação
dos corpos.

E finge-se
na realidade
que se é poético
e se ama
de verdade.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O Famoso Caderno. O Fim.

Não me lembro de ser
tão blasfemo.

Foi o fim.

Duas ou três vezes
na vida,
não mais.

Depois,
bem, depois
foi o meu
fim.

Fiquei de rastos.

Por isso, fui ter
com os amigos.

Nos bastidores da novela,
não vi,
com o Alba,
não falei,
nem mesmo aí,
na morgue de Braga.

Com o Patraquim,
não estive,
num sofá de veludo
carmim,
talvez...

O Paiva Couceiro,
com todo o pormenor,
também não.

Ah, mas eu estava
desfeito,
ainda estou.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

O Famoso Caderno. Rigor Mortis.

O a de haver não é assim...
É assim, há, com h...

Em francês, amigo é ami,
e amie é amiga.
Pode lá ser que,
ao dirigir-se a uma amiga,
alguém diga,
" - Obrigado amigo, tudo bem... ",
ou vice-versa,
a um amigo,
chamar amie...

Ah, mas o " precizares "...

Posso cá eu aceitar isso,
posso lá gostar...

Tinta vermelha
e bom sábado !

O Famoso Caderno. " Ennui " Urbano.

As varandas altas
contra a abjeção
do ruído da rua,
o movimento imparável
e sem sentido
e a sujidade de tudo.

A vida como um absurdo
de gestos mundanos,
de rotinas estúpidas
e a solidão imperial
da consciência desfeita,
imersa na irracionalidade.

Seria capaz de gostar
do bando de pombos
que atravessou a rua
e vai pousar na porcaria.

Da vertigem das varandas,
poderia gostar do estrondo
da queda veloz, da vida como
um sopro, da ausência de vontade.

Desço para entrar no automóvel
e perder-me na angústia do trânsito,
sem saber para onde ir, nem o que fazer.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O Famoso Caderno. A Frutaria.

Atravessou a longa avenida às onze da manhã,
estava Sol no passeio oposto, mas não lhe apeteceu
apanhar Sol, nem havia passadeira por perto
e os táxis andavam rápido, de um lado para o outro.

No quiosque demorou-se a olhar as capas das revistas,
lá estavam as que comprava sempre, uma era semanal,
as outras duas mensais. Depois viu os filmes pendurados,
vagamente percebeu que eram de ação, não gostou das capas,
eram escuras e mostravam carros aerodinâmicos em voo
e atores em poses marciais, num fundo de atrizes talismã.

Acabou por levar um jornal diário para a esplanada,
escolheu uma mesa à sombra, acendeu um cigarro,
sabiam-lhe sempre bem os cigarros de manhã,
pediu um café e uma garrafa de água mineral
e dispôs-se a ler de perna cruzada, levemente
recostado na cadeira, o cigarro a arder entre os dedos.

Agora eram os autocarros que travavam para estacionar
nas paragens repletas, uma de cada lado da avenida.

Tinha que passar pela frutaria, mas deixou-se ficar
mais um pouco, acabou de folhear distraidamente
o jornal, fechou-o e dobrou-o como fazia sempre
e pousou-o no tampo da mesa, junto da chávena vazia,
da garrafa aberta, do copo ainda cheio dessa água
tão fresca, de que gostava tanto pela manhã.

Já passava do meio-dia quando resolveu levantar-se,
tinha mais vida do que ficar simplesmente ali
a olhar os passeios, sem os ver, as árvores frondosas,
as fachadas antigas dos prédios de rendimento,
silvos, bicicletas, pessoas, sacos de plástico e cães
e o empregado muito veloz de bandeja em riste
e senhoras idosas muito pintadas e grupos de velhotes
e adolescentes de mochila e pedintes sem-abrigo
e sem os ver, atravessou a rua, com o jornal ainda
dobrado debaixo do braço, dirigiu-se para a frutaria.

domingo, 8 de janeiro de 2012

O Famoso Caderno. No Twitter.

Tenho no Twitter cinquenta mulheres
que me dizem que sou bonito. Eu sei que sou,
mas envaidece-me... Gostam de mim
com a barba por fazer, os sapatos de vela
muito gastos e deliciam-se com as brincadeiras
que faço com o meu galgo cinzento, na praia.

Tenho no Twitter pedidos de amizade
todos os dias, de números de telefone e tudo!...

E eu deixo que partilhem as minhas fotografias
em tronco nu. O que eu me rio com as suas interjeições...

Tenho no Twitter cinquenta mulheres que concordam
com os meus desabafos, que gostam da minha liberdade
e também querem esquecer o passado, quando
o passado em nada nos favoreceu neste Mundo.

Desejam-me bom fim de semana, bom dia e boa noite
e até me oferecem fotografias suas, num fundo de solidão.

Ah... O meu problema, afinal,
é não haver homens
no meu Twitter.

Um dia, um desses raros amigos
também me disse que eu era bonito
e depois desapareceu...

Será que têm ciúmes de mim?
Que se inibem por estarem sós,
entre mulheres?

Então, e eu?!...

O Famoso Caderno. Onze de Setembro.

Num documentário sobre os gémeos que perderam os irmãos no ataque terrorista, um dos entrevistados diz:

" - É melhor ter amado e perdido, do que nunca ter amado. "

O Famoso Caderno. 1.

Aladydotcom acabou. Já não vejo interesse em continuar o blogue com este nome. Só por comodidade não o vou alterar. Nem abrir outro.
O Famoso Caderno é, desde início, o subtítulo do blogue. Passa agora para primeiro título. Por isso, todos os posts que farei a partir de hoje terão sempre, antes do respetivo título, a indicação em maiúsculas: O Famoso Caderno.
Escrevo poesia desde que aprendi realmente a escrever. No colégio incentivavam-me, por isso tenho duas ou três poesias no seu Boletim. Mas, como em quase tudo o que faço, nunca levei a sério esta atividade. Fi-lo até em segredo, de forma íntima, só para mim. Como um diário. Um diário poético.
É isso que sinto quando escrevo. Que estou a registar o meu quotidiano para memória futura. E que o faço de forma poética.
Pouco mais interesse vejo no que escrevo. Terei as minhas referências, claro, são tantos os poetas que me acompanham desde sempre, até mesmo ficcionistas que escrevem prosa poética. Mas nunca apurei a minha escrita em função do que me influencia, pois para mim uma poesia clássica, romântica, pode ser tão bela como um cadáver-esquisito ou uma poesia depurada, de luminosa brancura.
Ao lançar na internet os meus escritos, procuro chegar ao Mundo de forma despretenciosa e simples. Faço-o com o respeito que devo a quem eventualmente me for ler.
E de forma isenta. Enquanto poesia, as palavras valem por si mesmas. Mesmo quando imperfeitas ou pouco elaboradas, são as palavras-sinais da minha vida.
Porque sou eu, eu só, que sinto necessidade de as escrever.
E é tudo.