segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

domingo, 27 de fevereiro de 2011

O Beco- Sem- Saída.

No beco- sem- saída
os cães fazem chichi
contra as paredes
e os gatos assistem
impávidos,
nos muros inacessíveis.

As adolescentes vêem tirar
fotografias digitais,
num cenário " di guetto ",
para mostrar no Hi5.

Chegam furtivas,
para que os rapazes
as não vejam.

À noite, o beco tem
um cheiro fétido
e até parece repousar,
de tão funesto.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Fim-de-Semana.

Não adivinho o céu
no tecto branco da sala
e a lâmpada escondida
pelo globo de papel
está há muito fundida.

Não me sirvo das luzes da casa.
Tenho candeeiros espalhados,
que filtram o artifício
de abat-jours suaves.

Hoje não sei se choveu.
Não ouvi a água a cair
nos estores, nem os pássaros
se vieram empoleirar aos trinados
para desespero do gato,
que os odeia.

Tinha no frigorífico os alimentos
necessários para estes dias
de reclusão, a terrina de veado
com cognac, o chèvre branco
de tão puro, as azeitonas pretas
de Portalegre, os limões para o salmão
fumado e o pão de Mafra, o café forte,
as massas com ovo e as garrafas escuras
de um vinho do Douro.

Não sei da correspondência
que me chegou, não fui ao hall
abrir o cacifo do correio.

Vejo o Mundo pela televisão
e anoto as minhas emoções
no Facebook.

Aqui e ali, os amigos vão clicando
" Gosto ", sem saber que há muito
não saio de casa.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Que será, Que Será...

Pouso as mãos no tampo frio da mesa de vidro,
a janela aberta,
uma noite chuvosa que seria cinzenta
se fosse dia,
o cigarro aceso,
um copo de whiskey onde se
entrechocam duas pedras transparentes de gelo
de água mineral,

pouso as mãos, porque não devo
encostar a cabeça e sentir
o limite liso, polido e frio
do sentido que dou à minha vida,

pouso as mãos e só depois reparo,
tenho os dedos longos,
as mãos abertas,
as mãos quietas
na noite que sobe,
tão quieta
de mim.

Tenho a cabeça
tão cheia de tudo
e não penso,
para quê?

Está uma noite fria
e não pára de chover,
sequer.

Talvez este vagar
seja eu a tentar
pensar,
mas não sei,
não sei
se será.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A Casa, Numa Tarde Chuvosa de Domingo.

Se esta minha casa fosse escura,
escura e triste,
agora fecharia ainda mais as portas,
cortaria a luz nos corredores,
para acender o candeeiro de abat-jour amarelo
e passar a tarde a ler.

Se esta minha casa tivesse
uma varanda aberta sobre a cidade,

como nesse prédio de Ruy Athouguia,
num brevíssimo décimo segundo andar,
onde morei há séculos e que
como todas as casas em que vivi
e foram imensas,

porque a casa onde moramos
é sempre um pouco de todas as outras,

eu agora recordo,

estaria então aberto à luz
e à introspecção
e passaria a tarde toda a ler,
Hemingway, Vila-Matas,
Piglia,
Cortázar.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A Pequena Pá.

Os navios viraram suavemente.

Estava escrito em inglês.
Eu li.

Palavras que o vento
levava,
que o vento acabou
por levar.

Terei alguma vez
ouvido isto?

Trago um simples caco
desta escavação.

Um pequeno fragmento
de osso de baleia,
a gravura antiga
de uma orca.

A fogueira adormeceu,
depois extinguiu-se.

Os teus olhos
fixos no céu.

The Fiery Furnaces - Even in the Rain (Official Video)

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Memória da Infância.

Aprendi a nostalgia sob o calor forte
de Luanda.

E a angústia.

Às sete horas da tarde de Domingo,
na véspera de um exame,
ficava de coração apertado e só,
na enorme nave central da Igreja
da Sagrada Família.

A felicidade, também, claro.

Céu azul, mar azul
e os banhos de mangueira
e alegria, na relva
do jardim.

Tive sempre cinquenta amigos.

E namorei, miúdo ainda,
a dançar Otis Redding,
encantado.

E Percis Sledge.

Ainda hoje não esqueço
Don´t Ever Change,
dos The Kinks...

E as acácias em flor.

Os cajús,
tão difíceis de comer.

As viagens para o Motel da Cela,
que começavam de madrugada
e em que só se parava trezentos quilómetros depois,
para tomar o primeiro café.

As Páginas Soltas na rádio à meia-noite,
que era uma senhora que lia poesia,
com uma voz lindíssima
e de quem já não sei o nome.

Os paraísos artificiais de depois
e em que fui tão precoce
e pioneiro.

Moldei aí o meu carácter
e ainda hoje me vejo isento
e recto, como quem prescruta
a linha do horizonte com um binóculo,
ou ouve os pássaros na floresta.

Por isso gosto
de olhar o mar.

De buscar Sintra
e encontrar a luz
e o aroma
da cidade onde nasci.

De sentir saudades
de mim.

Foi Há Cinquenta Anos...

Ao Carlos Augusto Neves e Sousa Ramos, meu amigo de sempre.

Há cinquenta anos, em Luanda, fui com a minha mãe, uma jovem de vinte cinco anos e a Dra. Elisa Canas, Directora da escola primária Dr. João das Regras, na Maianga, onde estudei até à quarta classe, participar nos funerais dos polícias mortos pelo primeiro ataque do Movimento de Libertação dos Povos de Angola, que dera início à Guerra Colonial.
Recordo que houve tiroteio junto ao Cemitério, que viemos em grande correria a fugir para o carro e que, de regresso à cidade, estivemos presos num engarrafamento monumental, o primeiro da minha vida.
Em casa, à noite, a família reunida na sala, com enorme preocupação e eu, escondido na dispensa, pensava poder viver ali refugiado para o resto da vida... Dormiria deitado no chão e teria toda a comida de que necessitasse nas prateleiras...
Oh, que inocência...
Meu pai, para fugir à confusão de Luanda, resolveu levar a família para a nossa fazenda de café, no Quanza Norte, a fazenda Montes Claros, que fora do meu avô, a Oliveira Gomes e Filhos, Ltd.
Aí foi pior... Em Março, rebenta a União dos Povos de Angola nesses campos de colonos e cafezeiros, com as atrocidades dos ataques de surpresa e à noite, que são bem conhecidos.
Avisado pelo PBX desses ataques, o meu pai só teve tempo de meter a família num Jeep e fugir para Luanda. Só conseguimos chegar ao Úcua, onde me recordo de dormir num armazém, com outras crianças, mulheres e idosos, protegidos pelos homens que no exterior faziam guarda da forma que podiam.
Acabámos a viagem de regresso em coluna militar, que para o efeito nos tinha ido lá buscar.
Nunca mais voltei ao Quanza Norte. Mas tenho para sempre na minha memória as brincadeiras que por lá fazia, na fazenda e no Bula, uma vila próxima, onde os meus pais tinham uma casa fabulosa, de que tenho ainda muitas fotografias.
Foi aí, nos jardins da casa, que aprendi a andar, sempre protegido pela minha lindíssima mãe.
Vejo-o hoje nas fotografias que preservo, com imensa ternura.
E penso... já lá vão cinquenta e cinco anos...
E a Guerra Colonial faz agora cinquenta anos.
Hoje, a minha mãe, que já tem setenta e seis anos e a minha irmã, com cinquenta e um, vão viajar para o Recife.
Vou agora sair de casa, para me ir despedir delas ao Aeroporto da Portela.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011