quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Raul Brandão, op. cit., pp. 332, 333

O promontório é um punho nodoso, com dois dedos estendidos para o mar- a ponta de S. Vicente e a ponta de Sagres. Nos dias sem sol, como o de hoje, os dedos parecem de ferro: apontam e subjugam-no. Em frente o mar ilimitado; em baixo o abismo, a cem metros de altura. Ventanias ásperas descarnam o morro cortado a pique, e no inverno as vagas varrem-no de lado a lado.
Sagres é o cabo do mundo. Levo os pés magoados de caminhar sôbre pedregulhos azulados, num carreirinho, por entre lava atormentada. Do passado restam cacos, o presente é uma coisa fora da realidade, grande extensão deserta, pardacenta e encapelada, com pedraria a aflorar entre tufos lutuosos; ( ... ) O mar- é verdade, esquecia-o- mas o mar como imensidade e tragédia, e ao lado a gigantesca ponta de S. Vicente, só negrume e sombra. Mar e céu, céu e mar, terra reduzida a torresmos, e o sentimento do ilimitado. Esta grandeza esmaga-me.
Grande sítio para ser devorado por uma ideia! ( ... )

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