sábado, 5 de fevereiro de 2011

Foi Há Cinquenta Anos...

Ao Carlos Augusto Neves e Sousa Ramos, meu amigo de sempre.

Há cinquenta anos, em Luanda, fui com a minha mãe, uma jovem de vinte cinco anos e a Dra. Elisa Canas, Directora da escola primária Dr. João das Regras, na Maianga, onde estudei até à quarta classe, participar nos funerais dos polícias mortos pelo primeiro ataque do Movimento de Libertação dos Povos de Angola, que dera início à Guerra Colonial.
Recordo que houve tiroteio junto ao Cemitério, que viemos em grande correria a fugir para o carro e que, de regresso à cidade, estivemos presos num engarrafamento monumental, o primeiro da minha vida.
Em casa, à noite, a família reunida na sala, com enorme preocupação e eu, escondido na dispensa, pensava poder viver ali refugiado para o resto da vida... Dormiria deitado no chão e teria toda a comida de que necessitasse nas prateleiras...
Oh, que inocência...
Meu pai, para fugir à confusão de Luanda, resolveu levar a família para a nossa fazenda de café, no Quanza Norte, a fazenda Montes Claros, que fora do meu avô, a Oliveira Gomes e Filhos, Ltd.
Aí foi pior... Em Março, rebenta a União dos Povos de Angola nesses campos de colonos e cafezeiros, com as atrocidades dos ataques de surpresa e à noite, que são bem conhecidos.
Avisado pelo PBX desses ataques, o meu pai só teve tempo de meter a família num Jeep e fugir para Luanda. Só conseguimos chegar ao Úcua, onde me recordo de dormir num armazém, com outras crianças, mulheres e idosos, protegidos pelos homens que no exterior faziam guarda da forma que podiam.
Acabámos a viagem de regresso em coluna militar, que para o efeito nos tinha ido lá buscar.
Nunca mais voltei ao Quanza Norte. Mas tenho para sempre na minha memória as brincadeiras que por lá fazia, na fazenda e no Bula, uma vila próxima, onde os meus pais tinham uma casa fabulosa, de que tenho ainda muitas fotografias.
Foi aí, nos jardins da casa, que aprendi a andar, sempre protegido pela minha lindíssima mãe.
Vejo-o hoje nas fotografias que preservo, com imensa ternura.
E penso... já lá vão cinquenta e cinco anos...
E a Guerra Colonial faz agora cinquenta anos.
Hoje, a minha mãe, que já tem setenta e seis anos e a minha irmã, com cinquenta e um, vão viajar para o Recife.
Vou agora sair de casa, para me ir despedir delas ao Aeroporto da Portela.

3 comentários:

  1. M.P.L.A. , Movimento Popular dos Povos de Angola... Desculpa a imprecisão...

    ResponderEliminar
  2. No outro dia, a passear pela minha "não memória", apareceu-me o seguinte:
    "MEMÓRIA"
    Memória presente, ou
    equivocadamente ausente
    agarrada a estória atrasada
    chega-nos sempre imaginada.
    Braço que nos guia, ou
    descalabro ao viver do dia
    será possível passado
    ou futuro que nos chega
    adiantado.
    Caminha-se assim na corda esticada
    da vida maltratada
    agindo-se a pedido
    e não no sentido
    de um desejo lentamente construído
    esbarrando no existir
    de um possuído mal-entendido.
    (fim)
    Em retribuição ao teu post e agradecendo a tua contribuição para que a minha memória se vá sentido menos só, fica-me com este meu poema.

    ResponderEliminar
  3. Claro que sim, amigo. Um abraço muito grande !

    ResponderEliminar