O Sol não se vê através destas nuvens espessas.
Nem sei sequer se está longe, ou muito baixo.
O ar encheu-se de cinza, de uma cor azulada.
Por vezes enegrece, como se fosse noite
e o dia, uma penumbra densa, muito fria.
A luz do candeeiro invadiu a sala
e uma claridade leitosa
bebeu os móveis, os tapetes, o sofá.
Já não tenho tempo para ser outra pessoa,
muito diferente de mim,
a não ser interiormente.
A Marta telefonou ao princípio da tarde.
A intimidade da sua voz muito baixa.
A cor castanha do timbre da sua voz.
A luz oculta do seu olhar.
E as palavras, tão musicais.
O sorriso, distante.
Falámos circunstancialmente
e depois desligou.
Sou eu sempre e um outro,
quando estou ao telefone com a Marta.
E não me canso.
Ouço-a no silêncio da sala.
Do outro lado do Mundo.
Também será o meu?
Disse-lhe:
- Estavas tão bonita, quando te zangaste comigo
no carro.
E não respondeu.
- E no dia seguinte, no restaurante,
estavas tão bonita, tão calada,
tão distante.
- Consegues não falar
tanto tempo.
- Deixar-me só.
Assim só.
Tenho a luz acesa ao fundo da sala.
O silêncio da sala,
o gato enroscado, a dormir.
Há muito tempo que não estou com a Marta.
Os seus olhos irrequietos, despeço-me deles
sem querer.
- E, no entanto, custa-me tanto perder-te,
Marta.
Só fico eu,
para aqui sozinho,
o telefone por tocar
e o ponteiro dos minutos do relógio grande
a avançar,
a avançar, inexoravelmente,
contra a noite.
- Marta, foi a ti que me entreguei.
Falo comigo mesmo, eu bem sei.
Voz interior que deixo vagar,
até me perder.
Recusa obstinada
de não ser.
De nunca ter sido,
sabido ser,
para ti.
" - Hoje, trouxe a planta que me ofereceste para o lavatório da cozinha. Molhei a terra, as folhas, as flores. Ando à procura do seu nome, vejo fotografias, as folhas parecem-me sempre diferentes, nunca são assim vermelhas, nunca mostram ter este recorte, estes veios esbranquiçados de onde irradiam. "
Quase isolado do Mundo,
não sei de ti há dias.
Nem quero saber onde estás.
É fácil não te dizer adeus,
não te dizer nada,
não te voltar a falar.
Entraste na minha vida
de forma tão fugaz.
Anjos, os dois.
Pouco me pesa,
a minha vida.
Sou, interiormente,
o contrário de mim próprio,
talvez mesmo um outro.
- " Felizmente, há luar ",
dentro de mim.
Quando se extinguirá
esta claridade?
É tão cedo agora.
- Será que ainda dormes?
Que te deitaste tarde
e ainda estás no primeiro sono?
- Outra semana
que começa,
outra semana sem ti,
Marta.
domingo, 3 de fevereiro de 2013
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