segunda-feira, 30 de abril de 2012

O Famoso Caderno. Desânimo 1.

Desconfio tanto
desses artistas
que dão erros
de ortografia...

Caem tão depressa
na presunção...

domingo, 29 de abril de 2012

O Famoso Caderno. Mar Alto.

Eu vi um espadarte
ser içado de manhã
das águas profundas
do oceano azul.

Preso por um anzol,
o enorme peixe
contorcia-se contra
o vazio do céu.

Uma linha tensa
prendia-o
à irremediável
morte.

Sequei a garganta
no sal cintilante
do mar alto.

Nunca mais
pude esquecer
esse domingo
de manhã.

Nem mesmo
agora,
em que as ondas
vêm calmamente
namorar a praia.

E a luz
tão forte,
parece apenas
acinzentar
o mar.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

O Famoso Caderno. Eric Fischl.

O Famoso Caderno. Vimeiro.

O teu vulto sobressai da neblina...

E olha que as arribas são abruptas
e depois, mesmo que o não queiramos,
contorna-as o entardecer rápido e hostil
e o desconforto da praia ao lusco-fusco.

Por estas terras marcharam os soldados
que vinham perturbar a folhagem densa,
agitada pelo vento morno e o chilrear
da passarada, que ainda hoje faz a alegria
das crianças, tu lembras-te das crianças?

Das crianças que brincavam junto ao mar?

Por estas colinas sobranceiras à praia,
quanta dor, quanta aflição, se viveram
nesses tempos conturbados, para estarmos nós hoje,
calmamente, a nadar no mar, a entrar e a sair do mar,
indiferentes a tudo, desconhecidos de todos.

Tu imaginaste um império ao sol-pôr,
embora o não dissesses logo, mas eu
o pressentisse, ou só o adivinhasse,
tu lembras-te de eu to dizer? Lembras-te?

Tu recordas-te que o nosso tempo
era um Mundo a regressar do futuro?

Recordas-te, meu impossível acordar,
minha única infância, minha amiga
de sempre? Recordas-te de eu te dizer
que eras alta, mais ainda que as colinas
sobranceiras ao mar? Tu recordas-te?

Sabes hoje que estiveste junto ao mar
naquele dia antigo, em que as tropas
marcharam e nos trouxeram a dor,
esta dor que sentimos por tudo o que somos,
sem sequer saber que o somos? Tu sabes?
Sabes, meu amor, meu amor de sempre?

Eu estou aqui ainda, tão perto de ti.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

O Famoso Caderno. À noite.

E os pulsos...
Os teus pulsos tão frágeis,
dobravam a noite, na alça
da mala abaulada.

Os ciclistas passavam,
linhas coloridas
e rápidas,
rasgavam a noite
com as suas vozes
gritadas,
incompreensíveis,
passavam o arco
em grande velocidade
e perdiam-se,
longe,
no escuro,
ao fundo...

Demoravam tanto a passar,
os ciclistas...

Eram tantos
os ciclistas...

E os teus pulsos
curvavam quebrados,
para que as mãos,
nervosas,
segurassem a alça
da mala de calfe escuro,
verde escuro.

Tu não sabias
que eu via,
atento
e distraído,
a largada dos ciclistas
e a sua demora,
eram tantos,
em atravessar o arco...

domingo, 8 de abril de 2012

O Famoso Caderno. Maldade.

Acendi os fósforos,
um a um,
com a maldade
de uma criança.

Só que bem perto
do fim,
quando queimei
os dedos,
tu já não estavas...

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O Famoso Caderno. Expressionismo.

Depois havia um abutre
que chapinhava nos despojos
ensanguentados da loba
moribunda.

E o asco que fazia cuspir
o muco interdito
e obsceno
da sua maldição.

O céu praguejava
clarões de tempestade.

E uma guerra imensa
não o deixava dormir.

Por dentro das pálpebras
zumbiam os insectos
e as hienas esperavam
a sua hora, enviando
mensagens ininterruptas
na rede vodafone.

Quando desataram
as suas risadas ocas,
a loba já era cadáver.

O Famoso Caderno. Bipolar.

Eu teria feito a cama
com lençóis de veludo
e mantas de cabedal.

Talvez os castiçais
me trouxessem de novo
a sobriedade do sono.

Mas virei costas
às pálpebras
e abandonei a casa.

Hoje vivo a inquietação
histérica e errante
das gaivotas junto ao rio.

Desfio pétalas doidas
que murcham rápido
entre os meus dedos.

E trago
as unhas roídas,
nas mãos crispadas,
de tão rubras.